sexta-feira, 27 de março de 2009

Capítulo I - Introdução

Isolamento [1 Ato de isolar. 2 Lugar onde se está isolado. 3 Socio Segregação espacial de indivíduos ou grupos em conseqüência de fatores geofísicos: distância, falta de meios de comunicação (...). 5 Estado do que está isolado de qualquer contato. Falta de comunicação devida à participação em hábitos e costumes diferentes (...)].
Michaelis

Esta semana tive o privilégio de poder ouvir uma nativa falar sob o ponto de vista dos líbios sobre tudo aquilo que nos é mais curioso. Diria que ela é a ovelha negra do rebanho: viveu oito anos nos Estados Unidos e dois na Alemanha. Haverá o momento em que vou falar sobre isso: "Mulheres que abrem Passagem" - elas existem nos lados de cá também.

Nos próximos quatro posts vou falar de todo este processo de aprendizado que, embora tenha sido por duas tardes, resultaram em mim como uma antecedência de alguns anos a serem vividos por aqui.

Todas as curiosidades que tinha em relação a tudo o que envolve um (ou uma) muçulmano (a), TU-DO, foram esclarecidas. Interessante e compreensível.

Os quatro pilares que vão preencher a minha angústia de ter falta de assunto, já que a vida por aqui virou rotina, serão a questão do isolamento do país por 35 anos, o Islamismo como construtor da base social de um líbio, o papel da mulher nesta sociedade e, por fim, todo este direcionamento que acaba por formar a mentalidade (bem diferente) deles.

Um dia escrevi aqui sobre Sensibilidade Cultural e de novo me senti diferente dos demais por ter tido oportunidades passadas que me desafiaram mais fortemente quanto a este tema de "diversidade cultural". Foi difícil para mim ouvi-la dizer e responder às nossas perguntas, mas ao mesmo tempo me vi mais flexível em aceitar certos comportamentos que a outros olhos podem parecer absurdos inaceitáveis. Vou compartilhar, mesmo que por uma perspectiva de interpretação bem pessoal minha, mas seria importante se se abrissem a este entendimento mais do que cultural e sensível, mas intensamente religioso: eu também sou católica.

Por 35 anos o país ficou fechado. Nos últimos cinco anos, contando com este, foi iniciado um processo de abertura e temos vivido a oportunidade de experimentar a mudança. E para mim, isso é tudo sobre "liderar pelo exemplo" - há quem chame isso de "raça" ou "coragem". Que seja!

Nestes 35 anos, os estrangeiros eram vistos como aqueles que vêm para tomar a terra. A imagem da colonização italiana ainda tem reflexos negativos no sentido de que aquele que não é líbio se interessará pela terra e não pelas pessoas. Neste sistema fechado, eles aprenderam (foram educados) a não ser orientados a servir, portanto, sem o perfil de "fácil relacionamento" - o que explica a espera excessiva em alguns restaurantes: eles estão se habituando agora a fazer algo que nunca foi preciso ser feito anteriormente.

Trabalhando bem ou não, o dinheiro era fornecido pelo Governo e, fechados a qualquer que fosse o mundo exterior, construíram uma história isolada, sem que as emoções fossem postas a mostra pela cara. Aprenderam a ser superficiais em relacionamento com o outro, principalmente com "estranhos". Mas ao mesmo tempo, aprenderam que se confiassem uma vez, confiariam para sempre e te considerariam um ente familiar.

À época, a "América" (entenda Estados Unidos) significava um ser inimigo e, portanto, nenhum sinal em inglês era permitido. De modo mais claro, escrever ou falar em inglês era ilegal: i-le-gal. Se você estivesse a caminhar pela rua, com um escrito na blusa como, por exemplo, "United Colors of Benetton", um guarda do exército te pararia, pedindo explicações sobre o que significavam todas aquelas letras reunidas e, se fosse identificado como sendo “da América”, você se veria nu, em plena luz do dia ou a qualquer hora que fosse. Ir contra a tudo o que remetia ao Ocidente era uma atitude. Nada além disso. E uma atitude positiva.

Curiosíssimo pensar que naqueles tempos defender sua própria origem e valorizá-la como sendo o melhor que existia era nobre e, atualmente, soa como terrorismo. É muita mudança.
Hoje, os estrangeiros são vistos como sinal de progresso, mas precisam se mostrar humildes e não superiores.

Aprendizado para o dia-a-dia, sob a fala de um líbio: "Aja como se você estivesse em casa, mas não se esqueça de que você está na minha casa".

sexta-feira, 20 de março de 2009

Quando o dia vira rotina

Cotidiano [1 De todos os dias. 2 Que, ou aquilo que se faz ou sucede todos os dias].
Michaelis

Engraçado como os carros são brancos e pelas avenidas se tornam creme. Não vemos Fiat pelos caminhos de passagem e os veículos são em sua maioria grandes, como carros "de família". Meus olhos então sentem dificuldade em habituar a ver outras marcas, não tão comuns àquelas que fizeram parte do meu cotidiano passado. Ou talvez seja meu cérebro que tenha tido barrreiras em assimilar estas novas conexões e enviá-las para uma adaptabilidade visual.

Interessante como nos comerciais de tevê, incluindo os do McDonalds - embora aqui não tenha qualquer uma de sua loja - as donas-de-casa usam burca e/ou véu e passam margarina ou cream cheese em metáfora à felicidade. Tudo clean e feliz na mesa-da-cozinha, no café-da-manhã: Instigante a figura da família tradicional, salvo a vestimenta, que aponta para uma alegria incontida. Ocidental (?).

Curioso pensar sobre como seriam - e na verdade são - as propagandas de shampoo e condicionador, já que os cabelos não se põem esvoaçantes ao vento da areia tempestiva: Me disseram que elas os tratam muito bem para que estejam belas, mesmo que não tenhamos visto - e que não os verei.

Barulhento que eles usam um dialeto dificilmente compreendido pelo árabe clássico. Dizem que vão rir de mim se eu não falar com o cântico prolongado e sonoro deles.

Familiar que valorizam o relacionamento, mais do que aumento de salário. Não é regra, portanto não estou generalizando, mas se percebe bastante que o valor está no olho e nas palavras que sugerem o tom do tratamento. Bom tom.

Quando a gente está fora do nosso país, ou melhor, do ambiente que nos é a zona de conforto, chega um momento que lembramos só das coisas boas, como se o estrangeiro nos apresentasse (só) os aspectos ruins. Aliás, acho que não falo por mim, ou só por mim, mas pelo que tenho ouvido e observado. É preciso estar atento.

Absurdo que eu tivesse pensado que todas estas imagens "normais" não seriam passadas à sociedade, através da publicidade, "só porque" são de uma cultura (ainda) desconhecida - por mim.
E verdadeiro como nem tudo o que é desconhecido ou diferente é negativo: Já adoro o suco de cenoura com laranja!

sábado, 14 de março de 2009

O meio do caminho

Perspectiva [arte de representar num plano os objetos tais como se apresentam à vista, conforme a sua posição e distância;aspecto que apresentam os objetos vistos de longe; panorama; aparência; miragem; probabilidade. em —: esperado no futuro].
Priberam

Esta semana eu entendi porque quem tem dinheiro aqui vai comprar móveis em Dubai, na Europa ou na China. Realmente, ser sofisticado nos nossos padrões ou simplesmente procurar algo pelo bom-gosto não é fácil - aliás, tenho reparado que nada é normal por aqui. Há sempre poréns: aí também é assim, será?!

Fui com uma das pessoas que vai dividir condomínio comigo e um dos nossos motoristas (local) procurar mesa para sala de jantar: que suplício!, a começar pelas ruas. Comércio movimentado, carro em fila-dupla, buzinas, poeira, vento e muito amarelo-ouro. Óculos escuro, por favor. Em determinados aglomerados de "lojas", eu me sentia em um museu. Aquele cheiro de mofo, móveis escuros de madeira pesada, forte e decorações bordadas com cores reluzentes - chi-quê!

Estávamos quase desistindo daquele dia, quando subitamente o motorista parou em frente a uma loja. Nem desci do carro. Mas aí ele fez sinal, rindo de felicidade, com o polegar direito levantado para cima. E não é que a mesa era bonita?! (Para quem é de BH, me fez lembrar algumas peças do Ponteio - é pois é).
Fechamos a compra e no dia seguinte acordaríamos a entrega e só então faríamos o pagamento. De boba só tenho a cara - fico com cara de idiota mesmo, não entendo nada de árabe, pareço bem lenta, olhando para aqueles que dialogam com meus olhos esbugalhados e boca aberta. Babei.

O dia seguinte se tornou o dia atual. Fui à loja - porque por telefone não se negocia - só com o motorista e chegando lá o preço e a mesa eram diferentes. Haha. Que beleza. Claro que mais caro. Quanto ao tipo, okay, passa. Era bom demais para ser verdade. A mesa de jantar "brasileira" era para inglês ver. Desistimos daquela loja, complicada demais para nosso pequeno orçamento, tempo e paciência, até que na reta final da peregrinação já com clima bem negativo, um "museu" nada convidativo recolhe por trás de seus móveis rústicos uma bela mesa de jantar com cadeira lisa - sem detalhes acolchoados - e vidro. Pois é, luxus.
Fechamos o mesmo acordo e, acreditem, duas horas depois ela estava sendo montada lá em casa. Linda.

Mas na verdade, o melhor destes últimos três dias foi ter convivido por boas horas com o motorista. Ele me ensinou muita coisa da cultura, religião, crença e comportamento a respeito do que eles adotam por aqui.

Um momento marcante, dentre vários, foi na volta para o escritório. Eu estava muito feliz - finalmente tinha feito algo útil na composição da casa - e não havia reparado que ao invés de música ele escutava ao noticiário. De repente, parados em um sinal, ele disse:

- Senhorita Bárbara, você viu o que um jovem alemão fez ontem?
- Não - respondi.
- Matou várias pessoas, entre estudantes e professores.
- Meu Deus, não vi não. O pior é que não foi a primeira nem a última vez, não é? Não entendo como um ser humano é capaz de fazer isso.
- Mentalidade Senhorita Bárbara, mentalidade. Sabe, tenho duas filhas e a mais velha, de dois anos e meio, não anda, não fala, não come. Deus quis assim. A vida é assim. Deus dá, só ele pode tirar. O ser humano não deveria ter nada a ver com isso.

Pausa. Forte. Foi assim também no carro.

Não que minha felicidade tenha ido embora junto com as palavras do meu "professor-motorista", mas fez dela um pouco contida. E eu preocupada com a mesa de jantar:

"Mentalidade senhorita, mentalidade".

quinta-feira, 5 de março de 2009

"Isso aqui ô ô(...)

Pioneirismo [Caráter ou qualidade de pioneiro].
Pioneiro [1 Aquele que primeiro abre ou descobre caminho através de uma região mal conhecida. 2 Explorador de sertões. 3 Precursor. 4 Aquele que prepara os resultados futuros].

Michaelis

(...) É um pouquinho de Brasil, iá iá".

Semana passada fomos comer acarajé na casa de um Engenheiro Baiano e entre a fritura e o vatapá, falávamos dos possíveis porquês que cada um julgava justificar a vinda e o aceite desta oportunidade. Dentre as respostas, "pioneirismo" apareceu em todas elas. Já há algum tempo venho pensando nisso, mas este dia veio de encontro com minha recente leitura da Época Negócios - a de Janeiro, eu acho - que trouxe uma grande (e boa) reportagem sobre a gestão de conflito que a Alcoa tem enfrentado em sua instalação em Juriti, no Pará, Norte do Brasil.

Descartando alguns pontos, como o estudo para implementação de indicadores de sustentabilidade - porque aqui não se discute nem conceito, quanto mais aplicabilidade - a reprodução dos discursos das fontes e das personagens da matéria, abordando tópicos como aprendizado, desafio, experiência, gosto e desgosto são bem parecidos com o que temos por aqui, para evitar dizer "iguais". Para ser mais pragmática, um paralelo do Brasil de Juriti com Tripoli:

* Faltam oportunidades de lazer;
* Quase não tem o que fazer
- Aqui retiraria o "quase";
* Telefone e acesso à internet são difíceis, assim como transporte;
* A cidade inchou e mudou de cara
- Tripoli de 2007 é bem diferente da Tripoli de Março ou Outubro de 2008, imagine Março de 2009. Tudo tem evoluído rápido, o processo de desenvolvimento está acelerado e as crianças ainda não imaginam o que as espera, porque nem mesmo os pais delas estão conseguindo acompanhar a entrada de tantos produtos, a expansão e construção de rodovias, o fluxo de pessoas vindo de outros países. Que não seja a nova Dubai, mas não será a mesma Tripoli no próximo mês;
* Mudança ambiental traz aumento da população e número de doenças infecciosas
- O Governo aqui parece se preocupar em evitar qualquer tipo de epidemia, trabalha mais pela "vacina" do que pelo "soro". Prima e exige bem-estar familiar, portanto, coletivo. Assim, não há nenhum ponto alarmante nesta área, acredito eu;
* Torresmo com cachaça, assistindo jogo de futebol para matar saudade do Brasil
- É. Este ponto não teria conexão se nos prendêssemos à carne de porco, ao álcool e sua fermentação. Mas tem acarajé, brasileiros de vários Estados, milho e pão. Frutas tropicais. É só colocar Ivete e cair para o samba.

Um ponto importante a se observar é que vivências como esta podem chegar ao que a reportagem chamou de "Risco do esquema colonial", quando uma empresa toma para si a responsabilidade política e social, acabando por tomar conta da cidade. Que isso não aconteça nem aqui nem em "Juritis" desconhecidos do Brasil.

Voltando para meu paralelo, acho que independentemente desta nação ter formado uma sociedade sob as diretrizes das empresas de petróleo e do islamismo, não percebo que conhecemos o Brasil tão bem assim para dizer que aqui não tem um pouco dele e de nós. Alguém conhece, já foi ou ouviu falar em Juriti? Sob o olhar dela, isso aqui tem um pouquinho de iáiá.
*Não adesão à nova regra gramatical.