terça-feira, 8 de agosto de 2017

Marte fica na Terra - Atacama | parte III

"A persistência é o caminho do êxito". Charles Chaplin


No nosso terceiro dia, pelo roteiro original, estaríamos no Salar de Tara, uma das paisagens mais lindas do Atacama - segundo nos disseram e lemos - mas como tudo ainda estava "cerrado por la nieve", tomamos um café da manhã reforçado e sem pressa - nada mais agradável do que degustar dos momentos prazerosos da vida, sem se importar com o tempo.


Neste dia, o sol parecia estar mais forte e ventava menos. Assim que viramos a esquina, saindo da nossa pousada, as lojas de aluguel de bicicleta estavam lotadas. Olhei para a Amanda e perguntei "por que, não?". E não que ela tenha resistido à ideia, mas topou com ressalvas por não ser das mais praticantes do esporte.

Esperamos um casal e um grupo de quatro amigas serem atendidos. Eu estava super ansiosa, a Amanda, tranquila no sol.

Um dos rapazes da loja me chamou. Fomos. Pelo portunhol dele, entendemos que nos dariam, além das bikes, "cascos" (adoro essa palavra, mas são capacetes - risos), colete refletor e outras ferramentas, caso precisássemos trocar ou encher pneus - prontamente dissemos que não seria necessário, mas ele reforçou "tem muita pedra". Amanda e eu nos olhamos para um último "será que encaramos mesmo?" e fomos, seguindo um mapa muito mal desenhado e desproporcional, fazer a trilha que nos levaria ao Vale da Morte - ou de Marte; aliás, a lenda é: seria o nome "Morte", porque os burros chegavam cansados da Bolívia, com seus lombos feridos e, ao não conseguirem subir o Vale, caíam no precipício?; ou seria Marte, em analogia à suposta formação do planeta vizinho? Verdades e mitos à parte, em menos de 10 minutos chegamos ao asfalto da estrada que liga São Pedro à Calama e, dois minutos da primeira subida, quem (quase) morreu foi a Amanda: mal respirava - sim, tinha a recente aclimatação, ainda não 100%, mas era falta de preparo mesmo - não que eu seja atleta, longe disso, mas estou mais habituada a exercícios físicos do que ela, claramente. 

Para o fôlego, nos recolhemos debaixo de uma cobertura do que seria um ponto de ônibus e eu ria, afoita para continuar, enquanto Amanda deitava no banco, sem condições de falar nada - apenas respirava e bebia um pouco d'água.

Não sei quanto tempo demoramos para recuperar as forças e, eu, a convencer a Amanda a continuarmos, até enfim voltarmos ao asfalto e, logo, encontrar uma descida gratificante! Assim que ela acabou, chegamos à entrada do Vale de la Muerte e começamos a pedalar em meio a areia, sal, cascalho e terra batida - uma loucura!

Teoricamente o mapa sinalizava que andaríamos por 3km até chegarmos às dunas de areia em que turistas se reúnem com suas pranchas para praticar sandboard. Paramos duas vezes até chegar neste ponto de encontro e, ao descobrirmos ali um bicicletário, nem cogitamos rolar na areia lá de cima, mas estacionar as bikes e continuar o próximo 1km a pé, como algumas pessoas haviam sugerido.

Olhando lá debaixo, chegar até o topo do Vale parecia moleza - para quem pedalou quase 4km, trabalhando as pernas em fazer as rodas girarem nos cascalhos sem que caíssemos, caminhar não aparentava sufoco: ledo engano - e dessa vez que bufou fui eu: mal respirava! Nossa água estava no fim. Meus pés afundavam na areia. A Amanda estava ótima: muito confortável e feliz fora da bicicleta. Agora ela ria. Pensei em desistir, porque quanto mais próximo parecia a casinha em cima do Vale, mais longe ela ficava do acesso. Eu só conseguia pensar: "Paro ou continuo? Por onde vamos subir? Não vejo escadas. Vamos escalar?". A Amanda ria. Às vezes passava à minha frente, tirava zilhões de fotos e, quando eu chegava perto dela, prestes a desmaiar e, ela agora com a mochila nas costas, ela dizia "quer parar? Mas tá quase". Esse desafio era um incentivo. Imagina! Havia chegado até ali, ia parar? E fui. E fomos. E parava. Faltava ar. E subíamos, subíamos, subíamos. Não havia ninguém no trajeto conosco. Às vezes eu até duvidava se o topo existia mesmo ou se não era miragem. 


Quando, num momento de fôlego, olhei para trás e vi o tanto que já tinha caminhado, senti orgulho - e duvido que era só 1km! Mediram errado. Não pode. Corro muito mais que isso - na esteira (risos)! As dunas de areia pareciam um pudim pequeno. Nem via mais as pessoas, nem tão pouco suas pranchas coloridas. Incrível aquela imensidão. A beleza dava a energia que faltava. Subimos, subimos e, numa bifurcação, viramos a esquerda para subir ainda mais e chegar ao topo: "Vamos Babi, 'tá quase". Era quase uma escada. Primeiro o pé direito, subo, caio com as mãos no chão. Um pé de cada vez. Um degrau por vez. Chegamos!

Inenarrável a descrição da paisagem, com o cânion que termina bem em frente ao vale, onde a vista de todo aquele terreno árido, alaranjado e irregular e suas enormes dunas de areia tomam conta de tudo. Se Marte for assim, Marte é lindo! Que "muerte" que nada. O vale é vida. Não tem passarinho, nem flor, nem plantas, nem água, nem nada. Mas é vida. Quando sentei, agradeci novamente. Respirei fundo, numa mistura de buscar fôlego com suspirar de emoção. 

Não sei por quanto tempo ficamos ali. A nossa água acabara de vez. Não havíamos levado nada para comer, eu acho. Mas ali em cima, não necessitava de absolutamente nada, apenas de permitir a consciência sobre meu corpo e sentidos.

A Amanda andou por lá. Não quis sentar. Sumiu. Mas nem dei notícia - só reparei quando ela voltou dizendo "a vista do outro lado é foda também". Mas eu não quis ir. Estava muito feliz com meu planeta. Com aquela vista. Tirei meus tênis. A meia. Deixava o vento circular. Deitei. Me sujei, mas quem se importa? 

Era hora de voltar. Parecia que ia anoitecer. Cogitei esperar o pôr-do-sol ali, mas encarar os 3km de bike dentro do vale, mais uns 2km de asfalto, até chegar, não seria muito oportuno. Decidimos então nos despedir. Difícil. Não queria parar de ver aquela paisagem. Mas precisávamos descer. Descemos, eu afundando a cada passo, e a Amanda voando como passarinho, quase que em silêncio. Só voltamos a nos falar mesmo na hora de pegar as bikes, colocar os coletes e os cascos. A gente não tinha água. Dali em diante só precisávamos seguir em frente e chegar; sem muita pressa.

De volta a São Pedro, com as pernas literalmente bambas, um cansaço feliz, resolvemos pelo almo-janta de imediato, sem banho, para prolongar o sentimento de ter ido à Marte.

Brindamos "a la nieve" por ter caído e por ter feito do nosso plano B, o plano A.



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*Não adesão à nova regra gramatical.