"Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.” Paulo Freire
Em 2000, no auge dos meus quase 18 anos, eu tive o meu primeiro contato com o tal do câncer. Em meio a decidir o que prestar para o vestibular, se continuava o inglês ou se voltava para o espanhol, se tirava carteira de motorista ou se viajava; se tudo isso ao mesmo tempo, meu avô materno adoecera.
Acho que por mais dolorosa que a perda dele em Dezembro daquele ano tenha sido, eu fui entender mesmo só depois - e aos poucos.
Na minha última ida ao hospital, ele parecia um passarinho, lutando para não cochilar, querendo manter aqueles olhos ainda verdes abertos; para não perder o movimento.
Embora a braveza típica, fervorosa e presente de luta dele, nós queríamos que ele fosse descansar; sem muita consciência de que seria "para sempre". Me lembro que todos nós da família estávamos desgastados, no questionamento do "por que ele? Por que ele?".
Com o tempo, aprendi a saber lidar com a falta, aprendi a apoiar (principalmente a minha mãe), a (parecermos) estarmos firmes e amorosos para acolhermos nossa avó, re-estruturarmos a família e os eventos festivos. Tudo seria diferente. Ou, nada mais seria igual.
Sete anos depois eu estava me mudando para São Paulo, quando em meio a essa novidade de morar sozinha, mudar de vida, encarar desafios mundanos fora do conforto; uma tia muito querida, muito muito muito, havia sido diagnosticada com essa doença que, dentre vários identificadores, é conhecida como "covarde".
Com a Tia Lia não foi muito diferente, mas eu já me sentia um pouco 'mais vivida' e, aos 23 anos, tive mais consciência da luta, da dor, do amor, do despreparo que temos da vida, quando ela se ameaça morte.
Foram momentos também muito difíceis e acho que o que aprendemos foi um sofrimento profundo de uma dor que não se justificava nem se explicava por nada. Comparávamos, quase que sem perceber, da diferença do "por que ela? por que ela?", que diferentemente do meu avô, tinha uma vida inteira pela frente e deixava um filho amado de onze anos.
Naquele momento, aprendi a amar, simplesmente; a criar a consciência de que devemos viver a vida mesmo, como se não houvesse amanhã; sem apologia à irresponsabilidade, mas a tudo o que é verdadeiro. Ao que vale a pena. Ao que você descobre e vive enquanto caminha.
Este ano, 2014, fui acometida por uma notícia que chegou avassaladora. Uma amiga, em princípio grávida de dois meses, foi "diagnosticada com Doença Gestacional Trofoblástica – ou Gravidez Molar (...). Fez quimioterapia de Maio a Agosto(/2014) e atualmente aguarda (ansiosamente) a remissão completa" - saibam mais aqui.
Ao longo dos (aparentemente) intermináveis e cansativos dias (e meses) de tratamento, ela agradecia muito e a todos, até que quando ela fez 30 anos, parei mesmo para agradecê-la: agradeci por ter aceitado a mensagem de Deus.
Mobilizei uma corrente, uma (in)finidade de pessoas e passei a enxergar tudo de uma maneira diferente, de novo, 'refazendo e retocando o sonho', sem deixar que ele por isso não existisse. Re-priorizei meus valores. Conheci muitas e muitas pessoas que vivem essa ou outra luta. Avôs, tios, Pais. Filhos. Irmãos. "Por que só com o vizinho pode, ou com aquele sujeito distante, amigo do amigo do amigo do amigo?". E aí uma amiga me diz 'por que não eu, ou você? Por que sempre o outro?'.
Re-signifiquei a vida. Inverti a lógica do quem ensina e quem aprende. Aprendi a admirar estes bravos guerreiros que se puseram dispostos a nos ensinar, do jeito mais torto e mais doloroso, a amarmos sem julgamentos. A nos permitir a vulnerabilidade, a crença da força da fé e a aproveitar essa beleza que a vida é.
P, eu sei que você disse 'para mim' que 'Eu posso até tê-la ensinado questões no trabalho, mas ela me ensinou sobre a vida'.
Nesse capítulo dessa nossa jornada, vitoriosa, graças a Deus, aberta a um lindo e radiante recomeço, a verdade disso tudo é que "Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Paulo Freire.
Thank you!
E a todos aqueles que mais do que entendem, sentem isso tudo, mantenhamos a tradição: 'Hey, câncer, vai tomar no cu!'.
Um comentário:
Uau...lindo demais!!! Lindo seu texto e a história de vida...emocionante, parabéns Babi!! Beijos
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