sábado, 27 de março de 2010

Daquela que foi

Sem Youtube, Leia ouvindo Stairway To Heaven - Led Zeppelin:

- Babi, vamos para o deserto de novo; anima?
- Opa!
- Mas dessa vez não vai furar, hein?

Felipe me ligou no meio da semana e como já tinha dito "não" da última vez, disse "sim" desta para quebrar a monotonia: como estou chata!.

Na quinta, saí do trabalho meia hora antes do horário previsto, fui para casa, peguei cobertor, moleton e otras cositas más; tomei banho e segui para o Aeroporto.

Éramos 17 pessoas, quatro mulheres, seis nacionalidades. Não tinha a mínima idéia do que esperar e foi muito bom, porque realmente fui bem surpreendida e, por ora, está em uma das melhores viagens que fiz.

Chegamos em Sebah - saindo de Tripoli, pelo mapa, desça em linha reta em direção ao sul do País; dê uma olhadinha para a esquerda: é lá - e logo que o portão do desembarque se abriu havia um legítitmo Tuaregue a nossa espera: barba grande, turbante, vestido de pano branco, com sandálias. Era o Otman. Naquele instante, não senti medo, porque o Tonito, Sul-Africano que organizou a aventura, já tinha estado lá anteriormente com ele e disse que podíamos confiar. Ok, né? Já estava ali e, adiante, era rezar.

Seguimos em cinco Jeeps por uma estrada de asfalto e o destino era o acampamento em meio a dunas de areia, não mais que 30, 40 minutos. Caminho escuro, a lua estava tímida, não cruzamos com outros carros e não se via nada pela janela. Absolutamente nada!

Em determinado momento, avistamos uma barreira policial e Otman parou. Entendemos que, com o intenso trânsito ilegal de pessoas pelo país e, sendo o deserto bem extenso, teríamos que apresentar uma carta - de alguém - dizendo que tudo bem e que só queríamos passear por ali. O Tonito apresentou a tal carta, virou-se para trás e disse:

- Babi, para todos os efeitos você não trabalha no seu Projeto. Você trabalha em outro.

Que alegria!

Como tudo que envolve polícia, ainda mais em um país estranho, foi tenso. Blablabla. Olhares. Enfim. Liberado. Ufa.

Barreira rompida, em alguns minutos entramos nas areias, que só senti, pois não via nada. Não sei como, e nem vou saber, mas chegamos ao acampamento. Do nada. Sem qualquer placa ou referência. Alegria, música, friozinho e lareira. Alguns outros sete já estavam lá, porque tinham ido logo depois do almoço. Nos acostamos, pegamos colchões, saudamos a todos e aos outros quatro Tuaregues.

As 22 horas já se aproximavam e a pergunta era: "e o jantar"?:

- Fizemos supermercado antes de vir, Babi - diz Felipe.

Logo, Otman e os amigos pegaram farinha, ovos e água e, com várias mãos, uma massa de pão estava pronta. Formato decidido, começa uma das experiências mais interessantes das quais já participei: pegaram a brasa da lenha da fogueira, esquentaram uma parte da areia, cavaram o pão nela, literalmente, e ali ele foi assado - por quase duas horas!
Enquanto o forno natural dava seu jeito, picaram tomate, cebola, alho e abriram latas de atum.

Às 2h da manhã, com a lua naquele momento totalmente tímida, coberta por nuvens, com o frio apertando, sentamos todos e, já não me lembro como - talher, mão - comemos e, para mim, nada saboroso, até porque, o delicioso pão árabe naquela noite estava absurdamente areado =)

O dia amanheceu, fizemos ovo cozido, compartilhamos o pão dormido, empacotamos e seguimos para o real objetivo daquela viagem: quebrar a rotina, conhecendo o deserto e encontrando com o oásis!

Dali de onde estávamos seria 80km pela estrada de asfalto, no sentido contrário à barreira policial, e 25km pelas dunas. Logo que começamos pela areia, os nossos motoristas-tuaregues e, portanto, guias, resolveram parar para esvaziar o pneu, explicando-nos que precisavam tirar 1kg de ar de pressão multiplicado por xis outras medições - e isso tudo em árabe. Não entendi bulhufas!
Neste momento, Otman disse para segurarmos firme no "puta-que-pariu" (perdoem meu Francês) e pediu que usássemos cinto de segurança. De novo, não fiquei preocupada e tudo o que sentia era: Uhuuuu, ia começar o meu Rally Dakar!

Em todo o trajeto - das 9h às 16:30 - tivemos três paradas fantásticas, sendo a última surreal:

- 1a.: Areia por todos os lados, cinco carros e um baticum eletrizante. Era tanta adrenalina, que o medo desistiu de se pronunciar e riu de si mesmo. Entre as subidas-e-descidas, chegamos a um ponto alto de onde achei que íamos despencar, mas logo que o campo de visão foi aberto de novo, ali estava uma área verde, linda, que envolvia um lago seco: deslumbrante!

Fotos tiradas, todo mundo babando, entramos para o carro de volta e encontramos o primeiro cenário imaginado por mim quando se falava em oásis. Ali, foi rápido. O tempo já corria contra nós e Otman disse "Vamos para Gebaren".

E fomos: Inacreditável!

Gebaren (lê-se Gabron) ainda se dispõe fisicamente como uma cidade antiga, com casebres e vários Tuaregues que vendem artesanato para quem quer que visite o local. No "bar" existente, pode-se alugar pranchas para fazer "Sandboard".

Em meio às dunas há um lago, verde; tão verde quanto a vegetação que o circunda; mas a água é um verde-esmeralda; lindíssimo!

Estirei minha canga, deitei, agradeci, fiquei emocionada pela delicadeza dos traços naturais e pela perfeição da composição da imagem e, com o calor, só queria ficar de biquini e dar um tibum na água. Que nada! Tuaregues, tuaregues! Foi de calça e camiseta mesmo! Se não tem tu, vai tu mesmo!

Esta caída n'água, diferentemente da sensação em ver um pão debaixo da areia quente ser assado, provocou em mim uma das estranhezas mais difíceis de assimilar que já tive:

Com o forte calor, a evaporação é alta, havendo muito sal e minerais; então, tentava mergulhar e empurrar meu peso para baixo, sem sucesso. Boiei naturalmente!
O sal irritou muito os meus olhos e minha boca praticamente estourou: pá! Sensível já pelo frio da noite anterior, aquele pulo dentro d'água foi a gota que faltava. Ainda, do joelho para baixo a água é quente-quente e, do joelho para cima, muito fria! Era tanta coisa ao mesmo tempo que molhei meu cabelo e saí; mas, enfim, posso dizer que mergulhei num Oásis - que dizem dar a mesma sensação do mar Morto: será?

Saindo, me vi absolutamente branca: ó sal! E cadê o chuveirinho depois da praia? E a barraca para secar e trocar? Tuaregues, tuaregues!
Muito homem, grande maioria local ou, mesmo que não fossem, eram muçulmanos, e não dava nem uma cabaninha protegida por mulheres.

Desafios logísticos à parte, sem detalhes, fiquei com boa parte do sal no corpo e, pior ainda, no cabelo.

Passamos um pouco da tarde conversando e vendo nossos guias prepararem macarrão com atum, que ficou muito bom por sinal - sem areia - e dali seguimos pelo deserto, até o Aeroporto, de volta.

Otman ficou sabendo que o posto para encher pneus tinha fechado e que, então, faríamos todo o percurso pelas dunas: ai minhas costas!

Algumas paradas para desatolar alguns dos carros que estavam conosco, mas no fim, tudo certo! Tanto, que não vi serpentes, lagartos, escorpiões ou camelos: "Tudo na mais perfeita ordem; tudo na mais santa paz".

Depois do banho de sal (não necessariamente grosso), não há porquê não recomeçar, com energia boa: a semana promete!

sábado, 20 de março de 2010

O que importa é o seu dia-a-dia III?

Em inglês:

- Alô, por favor, gostaria de falar com a Eman?
- Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa
- Oi?
- Aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa. Sou euuuuuuuuuuuu, Fátimaaaaaaaaaaaaaaaaa.
Como você estááááááááááááá. Aaaaaaaaaaaaaaaaaaa.
- Desculpa-me. Mas não sou Fátima. Aqui quem fala é Bárbara, trabalho no RH da...
Tu. tu. tu. tu.

sábado, 13 de março de 2010

A hora do sim é o descuido do não*

Acomodar [1.Dar cômodo a; alojar: 2.Pôr ou dispor em ordem; ordenar, arrumar (...). 4.Apaziguar, acalmar, serenar, aquietar (...); 7.Adaptar, afeiçoar, afazer (...). 16.Dar-se por satisfeito].
Dicionário Aurélio

Parece que a ida à Tunísia foi boa: Assim que cheguei do Sri Lanka, recebi a notícia que dali iria para a Jordânia, como continuidade do que tinha sido começado, para uma oficialização da parceria prática com aqueles dez representantes para os quais nos apresentamos.

Como tudo na vida, foi bom e ruim: bom porque não deixa de ser extensão de uma oportunidade que vivenciei e que tinha repercutido em frutos esperançosos e; ruim, porque eu estava muito cansada. Ainda estou. E o que eu menos queria era desfazer fazendo mala e esperar pelo tempo que fosse, em qualquer aeroporto.

Eu gosto de viajar, mas adoro voltar para casa; rever minhas coisas, recomeçar pela rotina, contar casos, compartilhar fotos e planejar a próxima partida.
De supetão, me desestrutura um pouco!

E aí, na dúvida da certeza, voltando atrás para recuperar o tempo suspenso, o trabalho transbordava e a pressão levava a um esforço transpirante.

No ensejo de ignorar a diferença de horários e hábitos, retomando o que eu esperava, a Jordânia realmente ficou para a próxima - nossa participação foi confirmada, mas outra pessoa iria - e o descanso era meu único destino: dormir até tarde e ficar de pijama.

Mas, como a história se repete e somente os personagens se alteram, como já havia lido, concordado e creditado, o nada é um luxo!, que dificilmente tem me pertencido.
Já não me recordo uma semana tranqüila ou o deleite de curtir a quinta-feira à noite e a sexta-feira como dias leves e tão pouco passageiros.
Mais uma vez, eu, com minha mania em não dizer "não" e a não me colocar limites, fiz a rotina da academia após o trabalho e a recaptulação das novelas; dormindo "tarde", mesmo quando não podia mais.

Sem me posicionar, a quinta chegou com dois convites e, seguida dela, a sexta com mais dois. Antes de sair, o sofá bem que me puxou, mas a teimosia pesa mais e logo me levantei dali: rua!

Hoje, pensando nisso tudo (agitações e idas-e-vindas) e me acomodando em um processo de sono atrasado, me dei conta do quão para trás estou em outros assuntos: nos e-mails pessoais, nas leituras vagas, no livro que me espera escorado na cabeceira da cama, que já recolhe poeiras, nas citações que fiquei de reler e, sobretudo, no planejamento da próxima viagem.

Paradoxal.

Nesta fração de segundos em que os pensamentos soltos se juntaram como na rapidez da formação de um feixe de luz, fui embalada pela abertura da novela Viver a Vida que resume bem
essa confusão e que me alivia em aceitar, por ora, que estou cômoda, no que quer que seja este momento:

"Sei lá, sei lá, só sei que é preciso paixão.
Sei lá, sei lá, a vida tem sempre razão".
Toquinho e Vinícius*

sexta-feira, 5 de março de 2010

Namastê!*

Foi até bom o Mister Kang ter feito o alerta quanto ao exército nas ruas, porque comecei a ver os oficiais já mesmo dentro do Aeroporto, carregados, cada um deles, com metralhadora. Não que gerasse medo, mas é incômodo e mal sabia eu que, uma vez em Colombo, a cada momento, nossa van seria interceptada por alguns deles a checar documentos.

Diferente de Bangkok, a chegada não trouxe nenhum encontro espetacular de boas-vindas e embora não apresentasse nenhum visual altamente tecnológico, comparativamente, o Aeroporto é um pouco melhor do que os de São Paulo. Precisamos melhorar muito, principalmente porque temo-nos colocado em voga no cenário mundial e, como toda porta de entrada, é preciso mexer na infra-estrutura Brasileira.

Divagações à parte, a experiência no Sri Lanka foi um caos e, de novo, muito engraçada.

Dessa vez, quem nos acompanhou para a seleção de trabalhadores foi um Português, inteligentíssimo e sarcástico, do jeito que eu gosto: aprendizado rápido e leve. Trouxe consigo dois livros e já nos três primeiros dias já os tinha lido, estava por dentro do que acontecia no mundo e tinha como embalo à noite as notícias veiculadas pela CNN, dando-nos o resumo depois do café-da-manhã.

Também viajou boa parte do mundo e continua a trabalhar pelas netas. Tem um senhor valor à família: gostei do gajo, ó pá!

Profissionalmente, era uma surpresa a cada dia e as pessoas que nos esperavam não estavam nada preparadas para o feito e; por mais que planejássemos o dia seguinte, voltávamos à noite ao Hotel, para jantar e dormir, com a certeza de que aquelas belas colocações ficariam no papel.

Com tantos desafios inesperados, Sri Lanka vai entrar na lista dos próximos, mas realmente não acho que retorne, a não ser que haja uma conexão para as Ilhas Maldivas.

Colombo, por si só, é uma cidade aparentemente sem qualquer apresentação da cultura e é tradicionalmente como uma outra cidade grande desprovida de organização.
É ocupada por um povo sofrido, simples e boa parte abaixo da linha da pobreza.

O mar não necessariamente é serventia para um banho e descanso e, na orla, vê-se muito da Índia,com as mulheres e senhoras cobertas por seus saris vivos, que refletem a luz do sol, sendo boa parte delas e de seus familiares dispostos de uma pele com coloração única, que nos remete ao passado e a mistura da qual resulta o Brasil.

Não vi uma distinção clara entre ricos e pobres, quando todas as ruas parecem iguais, sonorizadas com muitas buzinas e algumas vacas por ali. Poucas, mas existentes. Em meio aos carros e aos saris desfilantes, há muitos triciclos que se dispõem como um veículo de transporte mais barato, ágil e, portanto, pouco seguro; envoltos a uma curiosa e, porque não, irônica publicidade por todas as esquinas, contribuindo para uma poluição visual que há muito tempo não via tão exaustiva.

O Sri Lanka fecha, em mim, um ciclo de viagens com muitos questionamentos e poucas respostas, mas, sobretudo, com uma inspiração e várias imagens boas e engraçadas, daquilo que podemos dividir e, então, voltar melhor do que saímos, sempre.

Para compartilhar a graça da simplicidade, logo no primeiro dia, fomos a um centro de teste longe do movimento comercial de Colombo. Estávamos, literalmente, no meio de um grande mato e demoramos quase uma hora para chegar lá. Eu e minha bexiga começamos a ter um impasse. Quando estava quase prestes a soltá-la, pedi que me levassem a algum lugar em que pudesse aliviá-la. Prontamente os agentes pediram para que eu entrasse na van e o motorista me levaria a um banheiro, propriamente dito.

Os 15 minutos bateram no relógio e o que eu via, pela janela, eram casebres e a imagem que tinha do que deve ser a Índia e do que é boa parte das regiões carentes no Brasil. E não via nada que pudesse me apresentar o tal banheiro.

Por fim, a van parou em um acostamento, onde havia cinco homens em pé, conversando. O motorista desceu, não fez sinal para que eu fosse, falou algo na língua deles e, então, minha bexiga gritava. Desci correndo, sem poder falar nada, porque não poderia fazer qualquer movimento, além daquele de segurar(...). Vi um casebre e ali entrei correndo. Dei de cara com uma senhora muito magra, com seu sari velho, amassado e já sem brilho. Ela sorriu, com pouquíssimos dentes, me deu passagem, tropecei em um gato, vi uma porta para uma fossa e fui. Ó, divindades budista, obrigada por esta oportunidade!

Saí, aliviada, achei uma torneira que pingava lentamente uma gota por alguns segundos e, então, a senhora voltou, rindo muito daquilo tudo.

Naquela hora, pude ver a extrema pobreza daquele casebre que abrigava mais que as cinco pessoas que lá fora estavam, com uma porção de arroz e alguns vegetais que logo compartilhariam para o almoço.

Saí e o motorista estava com uma cara incrédula. Ainda não entendi se aquele era meu destino ou se ele tinha parado para perguntar qualquer informação. Não pude esperar. E foi assim, sem pedir licença, que fui muito bem recebida por aquela senhora, a quem esteve a me olhar de longe, até que a van se desfizesse em meio a poeira da estrada de areia.
Nos dias que seguiram, me preparei antes de ir, para onde quer que fosse e, sob este aspecto, tudo correu como planejado.
*Um pouco diferente da Índia, Namastê, no Sri Lanka, tem um sentido de "que você tenha uma vida longa". E esta vai para a senhora que me acolheu, quase sem saber.
*Não adesão à nova regra gramatical.