quinta-feira, 23 de maio de 2019

A saga do planejamento: planejar está em tudo - e em nada

"A vida, afinal, é a melhor escola que existe". O menino do dedo verde, Maurice Druon

Esses dias eu 'tava no Rio de Janeiro para facilitar um treinamento sobre Carreira/Protagonismo e n'uma conversa com um dos grupos, falei sobre nossa dificuldade em não só acreditar que temos algum controle sobre a vida, mas em desapegarmos pragmaticamente de que apesar do planejamento, a vida acontece e que, ocidentalmente, não fomos educados a frustração de não nos realizarmos do jeito que gostaríamos - e como acabamos nos consumindo por uma dor sobre a qual temos pouca 
interferência, a não ser, vivê-la e deixá-la passar.

Particularmente depois dessa conversa, terminei a aula, fui para o aeroporto do Santos Dumont. Meu vôo havia sido cancelado pela agência. Liguei e eles reemitiram outra passagem no mesmo horário: SDU-CGH, 21:15. Tentei antecipar, porque isso era 19h. Haveria multa. Me recusei. Aceitei que deveria esperar as duas horas quando, às 20:20, vi no portão ao lado: "Congonhas, 20:40, última chamada". Me aproximei do balcão e falei com o atendente "Meu voo é o próximo, posso ir nesse?". Ele, gentilmente, concedeu, sem me cobrar a taxa.

Eu estava muito feliz, tinha planos, queria ver uma amiga de BH que "me esperava" em SP; e uma outra de Curitiba que me pegaria em Congonhas para ganharmos tempo e irmos nos atualizando ainda no caminho.

Decolamos. A previsão de pouso era 21:51. Passou para 21:54. 21:58. 22:04. Quando chegou a 22:14, apontado pelo monitor do avião, comecei a me preocupar. O piloto finalmente deu satisfação:
- Senhores passageiros, aqui quem fala é o comandante. Estamos longe ainda de São Paulo, porque fomos informados que as condições meteorológicas não são boas e que é recomendável ficarmos afastados da região aeroportuária. Sigo em órbita por aqui para avaliarmos se as condições melhoram, e volto em breve com mais informações. Pela atenção, obrigado".

Detesto voar. E já voei muito. Muito. Longos e curtos voos. Mas isso nunca tinha me acontecido. Intensifiquei a oração e pensei "Ok, pousaremos em Guarulhos - 'tá de boa!'".

Uns dez minutos depois, ele retorna:
- Senhores passageiros, aqui quem fala é o comandante, novamente. Sinto informar, mas não temos condição de pouso em São Paulo, em quaisquer dos aeroportos da região. Lamento informar, mas estamos voltando para o Rio de Janeiro, aeroporto do Santos Dumont, e em terra volto com mais informações. Pela atenção obrigado, tripulação, preparar para o pouso.

Gente. Sério. Primeiro que não entendi - já íamos pousar no Rio? Segundo. PelamordeDeus, quero só chegar nesse "em terra" aí.

Pousamos com segurança e tranquilidade; desembarcamos, pegamos ônibus e fila. Passava das 22:30 e o Santos Dumont, assim como Congonhas, pára de operar às 23 horas. Não haveria tempo hábil para remanejamento de nova aeronave - a nossa não poderia mais voar no dia (#vaisaber). 

Ao entrar na fila do balcão da cia aérea, a atendente pediu meu cartão de embarque (como antecipei o vôo, o papel que eu havia recebido eu havia jogado fora no avião - porque, né? Para quê guardar lixo? #lembranças do dia que fui, mas voltei?).
Enfim, ela então pediu o cartão de embarque eletrônico, do meu vôo original. Eu havia deletado, afinal, fiquei entediada zanzando mais de meia hora no ar - aproveitei para fazer a limpa no álbum de fotos-lixo. 

Com um certo desconforto, do tipo "ah nem! Mais essa?", consegui o voucher de táxi para o hotel, o voucher da hospedagem no tal hotel, o voucher de volta hotel-aeroporto para o dia seguinte - sábado.

Fiquei um tempo frustrada, não muito, porque rapidamente:
- agradeci por termos pousado em segurança, mesmo que não em Congonhas;
- agradeci por não ter perdido nenhum compromisso único (casamento, aniversário, nascimento, velório, ou algo importante relacionado a trabalho);
- "empatizei" quando pensei, então, quantas pessoas tinham motivos reais para estarem tristes, chateadas e/ou frustradas - não só as do voo, mas as atendentes da cia aérea que tinham planos pr'aquela sexta-feira à noite e tiveram que fazer hora extra, sob pressão, para endereçar centenas de passageiros nos seus (novos) destinos - e aguentar o infeliz comportamento desrespeitoso e agressivo de vários deles: uma pena!;
"empatizei" com os funcionários do hotel que, achando que estavam liberados do exaustivo turno, foram comunicados de que centenas de pessoas chegariam para jantar e dormir - e tomar café da manhã e, por fim;
- "enquanto uns choram, outros vendem lenço": a alegria dos taxistas no Santos Dumont! Em uma hora de Congonhas fechado, onze vôos foram cancelados: os caras estavam radiantes com o volume de passageiro na fila, com o voucher na mão.

Aí, te pergunto: O meu planejamento ter dado errado - e também para outras tantas pessoas, direta ou indiretamente - foi "azar", ou "sorte"? E, então, afinal, estamos mesmo a serviço de quem?


PS: Voei no sábado às 8:20 da manhã - com um leve atraso: saímos 8:40 - e na Graça de Deus, mesmo com chuva no Rio e em São Paulo, pousamos bem em Congonhas. Como diria Chico Pinheiro, #évidaquesegue.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Sério. Uma história simplesmente incrível. Ou incrivelmente simples.

"Pensa como pensam os sábios, mas fala como falam as pessoas simples". Aristóteles
Sábado depois da academia fui dar uma volta pelo bairro de Pinheiros em busca de placas de "aluga-se" em prédios residenciais, para ajudar uma amiga minha que está de mudança para Sampa.
Num determinado edifício, toquei o interfone, o porteiro atendeu:
- Boa tarde!
- Boa tarde! O senhor sabe me dizer quanto é esse aluguel ou se tem algum telefone com quem eu possa falar?
- Olha, antes disso, você pode me ajudar?
(Na hora eu imaginei que ele estava sendo assaltado ou que estava passando mal, travei)
- Como, senhor?
- É que eu preciso de ajuda. Você pode me ajudar? Eu abro para você!
(Eu continuava sem entender, continuava com medo, mas entrei).

Fiquei na escada; ele dentro daquelas cabines. Logo, abriu a porta e disse:
- Entra aqui. Eu preciso fazer um negócio faz horas, mas sou muito burro.

O senhorzinho tremia, os olhos estavam marejados, ele parecia mesmo desesperado. Entrei, mantendo a porta da cabine aberta (#medodeassédio #loka #seilá) e disse:
- Como te ajudo, moço?
- Ai dona, sou tão burro. Eu sou muito burro. Eu preciso tirar foto desse papel que está na parede e mandar para a dona Márcia. Pelo whatsapp!

Gente, coisa linda! Fui, passo-a-passo:
1. Desbloqueia o celular, assim, o senhor sabe? E ele disse: "Não, sou tão burro!".
2. 'Tá vendo o iconezinho dessa câmera? Clica nele. E repetiu: "Ai, sou tão burro!".
3. Mira no papel que está na parede e aperta esse círculo branco aqui, pronto. Você já tem a foto do papel. "Nossa! Como sou burro!".

Não dava mais. Interrompi:
- Olha, não fala que você é burro, ok?
- Mas eu sou burro, dona! A dona Márcia me pediu isso cedo, não sei nada. Não sei mexer. Eu só sei do whatsapp. Mas eu clicava no whatsapp e pensava: "E a foto? Nunca tirei foto para mandar pelo whatsapp"!
Eu apenas disse:
- Tudo bem! Ninguém sabe tudo. O importante é você querer aprender e, você vai ver, não vai mais esquecer. Confia. Logo logo você vai tirar muitas fotos e mandar para as pessoas. Fica calmo e acredita que você não é burro tá? Todos nós só não sabemos de alguma coisa e por isso seguimos aprendendo tanto todos os dias. Todos os dias vivemos algo pela primeira vez, certo?

Nesse momento, ele apertou "enviar" e a imagem foi para a "dona Márcia". Ele sorriu, o bigode dele se espalhou pela boca, chegando quase às orelhas. Os olhos brilharam e ele disse:
- Você devia ser professora. Eu não sou burro. Mas você também sabe ensinar.
- E você sabe aprender.

Esse momento encheu meu coração pelo dia. Por ter feito algo tão simples e tão grande. Fiquei só me perguntando porque o sr. Walter não teve coragem de dizer a dona Márcia que ele não sabia fazer o que ela pediu: Intimidação? Vergonha?

Que todos nós possamos perguntar, para que vejamos nosso potencial em aprender. E que possamos nos arriscar, para que possamos ensinar; reaprendendo.

"A dúvida é o princípio da sabedoria". Aristóteles
*Não adesão à nova regra gramatical.