"Quando escrevo, repito o que já vivi antes.
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente.
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser
um crocodilo porque amo os grandes rios,
pois são profundos como a alma de um homem.
Na superfície são muito vivazes e claros,
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros
como o sofrimento dos homens".
Guimarães Rosa
A vida é um sopro.
Um suspiro.
Um milésimo de segundo.
"Para morrer, basta estar vivo".
Quantas dessas não ouvimos ou não conhecemos?
Mas quantas dessas só atribuímos quando é com a gente.
A morte é como o câncer. A gente só tem dimensão do que é quando acontece perto da'gente.
Diariamente vemos, lemos, ouvimos notícias de civis mortos em trocas de tiros.
Idosos que esperaram demais em hospitais para atendimento.
Crianças desnutridas: Mesmo que não necessariamente infinita, é uma lista incontável.
Sentimos dor, sofremos, nos perguntamos "por que, mundo?", mas quando é próximo parece que é uma dor diferente, não? Parece que "você acha que sabe, mas não sabe; porque é minha a dor".
O falecimento do artista Domingos Montagner* na última quinta-feira me deixou meio assim. Como dizem, "ele não era meu parente, mas era próximo". Aliás, ele não, o recado que ele vinha trazendo através do personagem dele na novela.
Ainda não sei exatamente o porquê e o como da conexão. Se por minha origem paterna ser dali; se pela questão dos índios que a vida inteira nos dão o recado de quem é que manda na vida - e na morte; se pela nossa fragilidade dura do tal "para morrer, basta estar vivo" - e se é só isso mesmo; se pelo desconhecido, do não controle, do possível, mesmo que improvável; do improvável que não tão impossibilitado assim; do que não sabemos: Se pela minha formação ocidental-católica.
Aliás, achei que tivesse aprendido mesmo na Libia que a morte é a beleza de um novo encontro, não a tristeza do desencontro - que nada!: Chorei como se fosse próximo. Refleti como se fosse abdicar de tudo para sair por aí, preenchendo a falta. Aprendi nada. Resignifiquei, na prática, muito pouco. Porque "na prática, a teoria é outra".
Por outro lado, neste caso Montagner, me parece algo maior, pr'além do "céu e terra" que
não dará conta a filosofia, nem a medicina. Cada um tira para si o que quiser desse acontecimento, que para muitos não foi "nada" e para outros foi "tudo". Para tantos mais, uma projeção do "e se fosse comigo?".
Para mim é também uma questão da "vida imitar a arte" - e não o contrário - e, sobretudo, do Rio. Da natureza-viva. Essa, que quando morrer, matará 'inda mais: que possamos, enquanto Brasil, enquanto há tempo, cuidar do objeto-sujeito da passagem dele; o Rio São Francisco.
*Para quem não sabe do que se trata:
http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2016/09/domingos-montagner-morre-aos-54-anos.html
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