Loucura: "Doença mental caracterizada pela alienação total do indivíduo em relação aos fatos que lhe são pertinentes. Ato, estado ou dito que revela falta de senso ou de juízo; maluquice, piração. Extravagância no agir. Paixão excessiva. Procedimento que revela insensatez. Tudo que está fora das regras da normalidade. Entusiasmo exagerado ou insano; desatino, desvario". Dicionário Michaelis.
Já ouvi de tudo por morar em São Paulo - e na grande maioria das vezes as pessoas não são muito positivas: citam a violência, a poluição, o trânsito e têm percepção sempre de caos.
Não que eu concorde ou discorde, mas quase 11 anos depois de ter deixado BH, pensar sobre São Paulo me gera emoções extremamente positivas, mesmo que as experiências por aqui nem sempre tenham sido fáceis, aliás, o começo - como quase todo, acho - foi muito difícil.
Cheguei por aqui ganhando R$600,00 por mês, dividi casa com 22 pessoas, quarto com nove, banheiro com 11 - uma bobagem que o BBB roteirize o convívio: é condição inerente ao ser humano amar e causar conflito - e essa chegada em SP me ensinou sobre relacionamento, sobre diversidade, sobre a força que o regionalismo do Brasil tem, sobre temperos, sobre compartilhar e, principalmente, sobre respeito e coletividade: São Paulo não te abre portas para o Brasil ou para o mundo somente, mas te escancara para si mesmo, onde "se virar" torna-se de fato uma lei de sobrevivência.
Nos primeiros meses por aqui, então me virando, fiquei doente e me curei sem afago, ou afeto, e isso me ensinou sobre acolhimento e sobre família que, sim, vai além do círculo "pai, mãe e irmãos".
Me perdi incontáveis vezes nas baldeações do metrô, peguei ônibus errado, tive fome e almocei por muitos meses miojo com salsicha, porque o dinheiro era mesmo curto, e aprendi a valorizar qualquer refeição. Chorei e me stressei, muito; e ter aprendido sobre o stress me ensinou sobre ser melhor e buscar válvulas de escape saudáveis - difícil, mas possível!
Em épocas de não smartphone, se perder era mais perigoso, mas mesmo assim, ao observar com olhar positivo, me deixei me encantar pelos prédios da avenida Paulista, mal sabendo da existência da Faria Lima, que tomaria para si o posto de "mercado financeiro", "coração das organizações", até que passei a conhecer a marginal Pinheiros e, depois, a Berrini.
O encantamento não passou, mas mudou de forma, porque a cada prédio novo que sobe, exuberante e exagerado, São Paulo me apresenta um parque, uma praça, uma horta orgânica gratuita/comunitária, exposição de arte "em becos", blocos de carnaval de rua, e novos museus.
São Paulo me faz pulsar. Me ensina a atravessar na faixa, a me locomover por transporte público integrado, me fazendo quase esquecer como é dirigir; me ensina a valorizar ainda mais a organização da cidade com seus semáforos mais à frente e a alertar motoristas de outras cidades a não fechar o cruzamento, mesmo!
São Paulo é também uma cidade de casarões, da história do Brasil, das famílias tradicionais, dos sobrenomes, das igrejas católicas e da maior parada gay do mundo: tudo ao mesmo tempo!
É um lugar de partidas e chegadas, de encontros e desencontros: por aqui, amig@s casaram e descasaram. Se empregaram, desempregaram, empreenderam, concursaram, viraram mestres e doutores - aliás, entre idas e vindas, não sei dizer quantas nacionalidades conheci e convivi nesse tempo todo: São Paulo poderia ser um selo cultural que significasse "um mini mundo", seja por seus restaurantes de estrelas Michelin ou barracas em feiras de rua, pelo cardápio "mata-saudade", seja do Nordeste, do Norte, de Minas, ou do Sul do Brasil; da Grécia, da Itália, das Coréias, da China, ou da comida da sua casa; seja pelas experiências espirituais hinduístas, budistas ou umbanda.
São Paulo e seu inverno de -1oC me apresentou as padarias 24h que tantas vezes me salvaram do frio com seus festivais de sopa e, no calor, frutarias e vida ao ar livre - aliás, outra fala que muito ouço é "São Paulo não tem qualidade de vida": é mais difícil mesmo, principalmente para a grande maioria da população que mora longe do local de trabalho, mas por outro lado é exatamente essa força que São Paulo me dá e que não encontrei em outro lugar; de viver bem mesmo com tanta adversidade, participar ativamente de uma vida melhor e ser causa, não consequência.
Em menos de 5 minutos a pé de onde moro encontrei um refúgio :) |
São Paulo me inspira a melhorar, a buscar entender o que é que está acontecendo no mundo, a desbravar sempre, a conhecer gente diferente de mim, gente interessante e desinteressante também.
A cidade em si vai além da sua noite agitada, do seu arsenal de artistas maravilhosos, do seu barulho non-stop, das manifestações vazias ou com propósito genuíno. Vai além dos bares e dos bairros que fazem dela insaciável - você pode passar a vida e não vai conhecê-la.
Esses quase sete anos (se somados) só de São Paulo fizeram de mim muitas personas, me permitiram experimentar muitas possibilidades e oportunidades! Há que comemorarmos, afinal, São Paulo é mais do que uma mistura que tem de tudo um pouco; ela é um facilitador que nos permite expressarmos quem somos, que é meio tudo e nada, e ao mesmo tempo é única.
Se eu sou louca? Bom, talvez, mas é só através dessa cidade que podemos coexistir com tantos outros loucos.
Obrigada São Paulo por ter me dado tanto e, ao contrário de dizer o que eu quero de você, como pede a atual campanha da Globo do "O Brasil que eu quero", você me faz pensar no que eu quero te dar, porque uma boa cidade é resultado de ótimos cidadãos. Vamos em frente, porque segundo as previsões, os próximos anos serão ainda mais desafiadores: conte comigo, velhinha! ;)
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