"A vida, afinal, é a melhor escola que existe". O menino do dedo verde, Maurice Druon
Esses dias eu 'tava no Rio de Janeiro para facilitar um treinamento sobre Carreira/Protagonismo e n'uma conversa com um dos grupos, falei sobre nossa dificuldade em não só acreditar que temos algum controle sobre a vida, mas em desapegarmos pragmaticamente de que apesar do planejamento, a vida acontece e que, ocidentalmente, não fomos educados a frustração de não nos realizarmos do jeito que gostaríamos - e como acabamos nos consumindo por uma dor sobre a qual temos pouca
interferência, a não ser, vivê-la e deixá-la passar.
Particularmente depois dessa conversa, terminei a aula, fui para o aeroporto do Santos Dumont. Meu vôo havia sido cancelado pela agência. Liguei e eles reemitiram outra passagem no mesmo horário: SDU-CGH, 21:15. Tentei antecipar, porque isso era 19h. Haveria multa. Me recusei. Aceitei que deveria esperar as duas horas quando, às 20:20, vi no portão ao lado: "Congonhas, 20:40, última chamada". Me aproximei do balcão e falei com o atendente "Meu voo é o próximo, posso ir nesse?". Ele, gentilmente, concedeu, sem me cobrar a taxa.
Eu estava muito feliz, tinha planos, queria ver uma amiga de BH que "me esperava" em SP; e uma outra de Curitiba que me pegaria em Congonhas para ganharmos tempo e irmos nos atualizando ainda no caminho.
Decolamos. A previsão de pouso era 21:51. Passou para 21:54. 21:58. 22:04. Quando chegou a 22:14, apontado pelo monitor do avião, comecei a me preocupar. O piloto finalmente deu satisfação:
- Senhores passageiros, aqui quem fala é o comandante. Estamos longe ainda de São Paulo, porque fomos informados que as condições meteorológicas não são boas e que é recomendável ficarmos afastados da região aeroportuária. Sigo em órbita por aqui para avaliarmos se as condições melhoram, e volto em breve com mais informações. Pela atenção, obrigado".
Detesto voar. E já voei muito. Muito. Longos e curtos voos. Mas isso nunca tinha me acontecido. Intensifiquei a oração e pensei "Ok, pousaremos em Guarulhos - 'tá de boa!'".
Uns dez minutos depois, ele retorna:
- Senhores passageiros, aqui quem fala é o comandante, novamente. Sinto informar, mas não temos condição de pouso em São Paulo, em quaisquer dos aeroportos da região. Lamento informar, mas estamos voltando para o Rio de Janeiro, aeroporto do Santos Dumont, e em terra volto com mais informações. Pela atenção obrigado, tripulação, preparar para o pouso.
Gente. Sério. Primeiro que não entendi - já íamos pousar no Rio? Segundo. PelamordeDeus, quero só chegar nesse "em terra" aí.
Pousamos com segurança e tranquilidade; desembarcamos, pegamos ônibus e fila. Passava das 22:30 e o Santos Dumont, assim como Congonhas, pára de operar às 23 horas. Não haveria tempo hábil para remanejamento de nova aeronave - a nossa não poderia mais voar no dia (#vaisaber).
Ao entrar na fila do balcão da cia aérea, a atendente pediu meu cartão de embarque (como antecipei o vôo, o papel que eu havia recebido eu havia jogado fora no avião - porque, né? Para quê guardar lixo? #lembranças do dia que fui, mas voltei?).
Enfim, ela então pediu o cartão de embarque eletrônico, do meu vôo original. Eu havia deletado, afinal, fiquei entediada zanzando mais de meia hora no ar - aproveitei para fazer a limpa no álbum de fotos-lixo.
Com um certo desconforto, do tipo "ah nem! Mais essa?", consegui o voucher de táxi para o hotel, o voucher da hospedagem no tal hotel, o voucher de volta hotel-aeroporto para o dia seguinte - sábado.
Fiquei um tempo frustrada, não muito, porque rapidamente:
- agradeci por termos pousado em segurança, mesmo que não em Congonhas;
- agradeci por não ter perdido nenhum compromisso único (casamento, aniversário, nascimento, velório, ou algo importante relacionado a trabalho);
- "empatizei" quando pensei, então, quantas pessoas tinham motivos reais para estarem tristes, chateadas e/ou frustradas - não só as do voo, mas as atendentes da cia aérea que tinham planos pr'aquela sexta-feira à noite e tiveram que fazer hora extra, sob pressão, para endereçar centenas de passageiros nos seus (novos) destinos - e aguentar o infeliz comportamento desrespeitoso e agressivo de vários deles: uma pena!;
- "empatizei" com os funcionários do hotel que, achando que estavam liberados do exaustivo turno, foram comunicados de que centenas de pessoas chegariam para jantar e dormir - e tomar café da manhã e, por fim;
- "enquanto uns choram, outros vendem lenço": a alegria dos taxistas no Santos Dumont! Em uma hora de Congonhas fechado, onze vôos foram cancelados: os caras estavam radiantes com o volume de passageiro na fila, com o voucher na mão.
Aí, te pergunto: O meu planejamento ter dado errado - e também para outras tantas pessoas, direta ou indiretamente - foi "azar", ou "sorte"? E, então, afinal, estamos mesmo a serviço de quem?
PS: Voei no sábado às 8:20 da manhã - com um leve atraso: saímos 8:40 - e na Graça de Deus, mesmo com chuva no Rio e em São Paulo, pousamos bem em Congonhas. Como diria Chico Pinheiro, #évidaquesegue.