segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Transbordou.


"Quando escrevo, repito o que já vivi antes. 
E para estas duas vidas, um léxico só não é suficiente. 
Em outras palavras, gostaria de ser um crocodilo 
vivendo no rio São Francisco. Gostaria de ser 
um crocodilo porque amo os grandes rios, 
pois são profundos como a alma de um homem. 
Na superfície são muito vivazes e claros, 
mas nas profundezas são tranqüilos e escuros 
como o sofrimento dos homens".
Guimarães Rosa


A vida é um sopro.
Um suspiro.
Um milésimo de segundo.

"Para morrer, basta estar vivo".

Quantas dessas não ouvimos ou não conhecemos?
Mas quantas dessas só atribuímos quando é com a gente.

A morte é como o câncer. A gente só tem dimensão do que é quando acontece perto da'gente.

Diariamente vemos, lemos, ouvimos notícias de civis mortos em trocas de tiros.
Idosos que esperaram demais em hospitais para atendimento.
Crianças desnutridas: Mesmo que não necessariamente infinita, é uma lista incontável.

Sentimos dor, sofremos, nos perguntamos "por que, mundo?", mas quando é próximo parece que é uma dor diferente, não? Parece que "você acha que sabe, mas não sabe; porque é minha a dor".

O falecimento do artista Domingos Montagner* na última quinta-feira me deixou meio assim. Como dizem, "ele não era meu parente, mas era próximo".  Aliás, ele não, o recado que ele vinha trazendo através do personagem dele na novela.

Ainda não sei exatamente o porquê e o como da conexão. Se por minha origem paterna ser dali; se pela questão dos índios que a vida inteira nos dão o recado de quem é que manda na vida - e na morte; se pela nossa fragilidade dura do tal "para morrer, basta estar vivo" - e se é só isso mesmo; se pelo desconhecido, do não controle, do possível, mesmo que improvável; do improvável que não tão impossibilitado assim; do que não sabemos: Se pela minha formação ocidental-católica.

Aliás, achei que tivesse aprendido mesmo na Libia que a morte é a beleza de um novo encontro, não a tristeza do desencontro - que nada!: Chorei como se fosse próximo. Refleti como se fosse abdicar de tudo para sair por aí, preenchendo a faltaAprendi nada. Resignifiquei, na prática, muito pouco. Porque "na prática, a teoria é outra".

Por outro lado, neste caso Montagner, me parece algo maior, pr'além do "céu e terra" que 
não dará conta a filosofia, nem a medicina. Cada um tira para si o que quiser desse acontecimento, que para muitos não foi "nada" e para outros foi "tudo". Para tantos mais, uma projeção do "e se fosse comigo?".

Para mim é também uma questão da "vida imitar a arte" - e não o contrário -  e, sobretudo, do Rio. Da natureza-viva. Essa, que quando morrer, matará 'inda mais: que possamos, enquanto Brasil, enquanto há tempo, cuidar do objeto-sujeito da passagem dele; o Rio São Francisco.


*Para quem não sabe do que se trata:
http://g1.globo.com/se/sergipe/noticia/2016/09/domingos-montagner-morre-aos-54-anos.html

terça-feira, 13 de setembro de 2016

A falta de sentir falta: estamos cheios demais?

Estamos em Setembro. Aliás, já quase na metade de Setembro. E qual é a razão por contar tanto o tempo?
A cada instante que reconheço sentir que o tempo vai rápido demais, parece que eu é que estou lenta para a velocidade das coisas: sempre há falta. 

Falto com telefonemas à família; falto com aniversários de amigos (perto ou longe); falto em estudar, ler um livro, uma revista, um artigo. Falto na academia, na matrícula de um curso que já vi quanto custa, mas só não fui lá pagar - quanto mais frequentar?. Falto, mesmo que eu queira, que eu tente estar. Mas arrisco: não falto ao trabalho.

Há momentos, principalmente Domingo, que resolvo olhar meu celular e, ao invés de responder às mensagens às quais faltei atenção ou simples resposta ao longo da semana, travo. Na falta faltante, decido me faltar; quase me ausentar de mim mesma, desse tempo, dessas coisas. Falto à ação e durmo. Descanso. Faço nada.

Nessa organização para não fazer nada, e isso é um refúgio para mim, causo uma estranheza para o outro; enquanto, para mim, estranhas são as pessoas em restaurantes, bares (e "até" cinema/teatro) ficarem incessantemente ao celular. Eu entendo: "aproxima quem está longe, afasta quem está perto". Eu entendo: "é uma ferramenta, a pessoa quem deve saber usar".

Me preocupa a leitura das pessoas sobre essas coisas todas: Me preocupa estar na praia, em shows, em parques, museus, cafés, ou em qualquer tipo de vivência experimental e ver que as pessoas, muitas vezes, não estão vivendo e nem experimentando, mas "postando", contando "para o outro" - o mesmo outro que está vendo e não necessariamente inteiro naquilo que vê e, sequer, vive ou é.

Usando quase minimamente o celular, ainda assim, me falta muita coisa! Tentei me colocar em dia durante as férias; fiz questão de escolher um lugar isolado, "desconectado", e ainda assim, faltou. Faltou tempo para mais dessas paradas.

Diariamente falta tempo para sentir menos "ah, queria mais tempo" para fazer tanta coisa e tempo para não fazer nada. Tempo e qualidade de tempo para estar inteira nas relações. Para viajar e aproximar o longe a ser perto. Tempo para ser, não estando. Só sendo. 

Mas, arrisco: não falto ao trabalho. E talvez você também não. 


Pausemos: antes que o tempo nos pare: "longas caminhas necessitam boas paradas".
*Não adesão à nova regra gramatical.