"Eu sempre amei o deserto. A gente senta numa duna de areia. Não se vê nada. Não se sente nada. E no silêncio alguma coisa irradia". O pequeno príncipe.
Saímos às 8:05 da manhã de São Paulo para Santiago, no Chile. Chegando lá, ao passarmos pela imigração, despachamos novamente a bagagem no embarque nacional para voarmos até Calama, aeroporto mais próximo de São Pedro do Atacama - a cidade que acolhe os transeuntes, que como Amanda e eu, se arriscam a lidar com as mais variadas temperatura e paisagens, que só a complexidade do deserto é capaz de pintar.
A Amanda é uma dessas gratas surpresas da vida - quando eu pedi demissão pela 1a. vez no meu último trabalho - e de novo (saí só na 4a. conversa de "acho que não estou mais feliz nessa relação") - ela tinha acabado de assumir a gerência da área em que eu trabalhava e com muita transparência, vulnerabilidade e confiança, teve um papo bem reto comigo, do tipo "cala a boca e rema". Assim, doce, #sqn, tomei um susto de que ainda tinha muito o que fazer ali e que apesar da pouca poesia dela, tive certeza de que seria uma liderança necessária para meu amadurecimento e aprendizado.
Desde este dia, ela se tornou uma referência de competência sem arrogância, de escuta com orientação e de foco com olhar para desenvolvimento e uma irritante humildade de não se reconhecer tudo o que é. Dos dias trabalhados em diante, ela foi deixando de ser chefe, passou a ser mentora e, depois do Atacama, uma amiga para todo o sempre.
Nós, então, nessa energia de experimentar o meio do nada, que apreciávamos já da janela do avião, desembarcamos em Calama e o traslado - que diferença, Filipinas! - nos esperava com a plaquinha de identificação, pronto para nos dirigir por uma hora e meia, em uma estrada de linha reta, com momentos de curvas, mas não tão sinuosas, contornada por montanhas marrons e planície cascalha, acompanhada de um céu azul claro, mas forte, com poucas nuvens, que nos conduziu, como personagens em um cenário inenarrável, até São Pedro do Atacama.
Ao chegarmos no hotel, tomamos banho e, famintas, encontramos, sem querer, andando a esmo, o Lola - bar e restaurante - que era na verdade mesmo um karaoke! Bebemos vinho tinto acompanhado de uma "empanada gigante" de camarão com vinho branco, fizemos amigos - brasileiros, é claro - cantamos "baile de favela", como se estivéssemos n'algum boteco do Brasil, dançamos no palco com o Danilo - donde estás Danilo? - e voltamos para o hotel, quase madrugada, sem saber se era frio ou histeria.
No dia seguinte, acordamos até que cedo, para a animação festiva da noite anterior, tomamos café e fomos caminhar pela rua central, Caracoles; ver os artesãos, trocar dólares por pesos chilenos e comprar os passeios.
O dia estava lindo, com céu azul e sem nenhuma nuvem, a lua aparente e bela; até que entramos para buscar informações de tours, quando o francês que nos atendeu perguntou se já tínhamos ideia do que fazer.
Orgulhosas de termos feito o dever de casa, porque lemos bastante e conversamos com várias pessoas que tinham vindo ao Atacama, mostramos nosso roteiro e o gringo começou:
- Salar de Tara? Fechado!
- Geysers del Tatio? Fechado!
- Pedras Rojas? Fechado!
Juro! A decepção não foi nada discreta: Amanda e eu nos olhamos é só pudemos dizer: "que merda, hein?". E a explicação dele foi que havia caído muita neve nas duas últimas semanas e os acessos estavam fechados, por segurança - curioso que ninguém nos havia sinalizado deste risco, nem mesmo lemos nos blogs que a temporada não era das melhores.
A parte boa desse imprevisto pouco agradável foi que logo me empolguei com a possibilidade de conhecer lugares ainda pouco vistos, pelos quais estaríamos abertas a sermos surpreendidas, sem que tivéssemos lido os scripts padrão - afinal, "um bom viajante não tem planos fixos nem tão pouco a intenção de chegar" (Lao Tzu).
Caminhando ainda pela Caracoles, esperando a tarde chegar para nosso primeiro passeio, achamos a agência que faz o Tour Astronômico, com a qual eu já havia pré-reservado por email, e precisaríamos pagar para confirmar. Embora nossa reserva fosse pr'ali dois dias, o agente sugeriu que fizéssemos naquele dia, porque havia confirmação climática positiva - o que ele não poderia garantir para os próximos dias, pois a previsão era de neve. Assim, garantimos a vaga das 21 horas para apreciar as estrelas e todo aquele universo a olhos nu.
Com nova energia, almoçamos - eu, um salmão acompanhado de batatas e creme de cenoura com coco ralado; a Amanda, um frango grelhado com cebolas caramelizadas, ovos e batatas rústicas - para então experimentarmos do roteiro não planejado: Laguna Tebiquinche e Ojos del Salar.
Pegamos uma estrada até Toconao, comunidade da vizinha São Pedro, similar ao caminho do aeroporto, mas os Andes pareciam mais próximos e maiores, como se fossem pétit-gateus gigantes, super polvilhados por açúcar refinado: belíssimos!
Pegamos uma estrada até Toconao, comunidade da vizinha São Pedro, similar ao caminho do aeroporto, mas os Andes pareciam mais próximos e maiores, como se fossem pétit-gateus gigantes, super polvilhados por açúcar refinado: belíssimos!
Em Toconao, caminhamos por 45 minutos pelas ruínas de rochas vulcânicas e um oásis, composto por árvores muito distintas umas das outras, inclusive frutíferas (pêra, laranja e figo), um rio de águas do degelo dos Andes e muita sombra, que trazia bastante frescor, em meio ao clima seco e quente do deserto: conhecemos o tal do microclima, ali.
Dali partimos de van por mais 45 minutos para relaxar na Laguna Tebinquinche, uma das paisagens mais lindas em que já pude estar e que, com o céu claro, sem vento, as nuvens pareciam algodões em seu lugar, dispostas apenas para serem contempladas.
No pôr-do-sol, o rosa era quase choque, e o laranja, solar. O lago era um espelho límpido e natural, sem refletir qualquer falha, qualquer dúvida de imagem. E, antes que chegássemos até ali, avistamos dois outros lagos de água doce no meio do nada, tirando quase todo o fôlego já comprometido pela altitude.