quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Externamente interno

Mudar(lat mutare): 1 Deslocar, dispor de outro modo, remover para outro lugar (...). 3 Substituir. 4 Instalar(-se), transferir(-se) para outro prédio, local ou cidade. 5 Alterar-se, tornar-se diferente, física ou moralmente (...) 8. Cambiar, trocar, variar (...). 11 Sofrer alteração, modificação.
Michaelis
Leia ouvindohttp://www.youtube.com/watch?v=i3uIcxKuMeg

Eu sempre soube que a rotina de morar em hotel não duraria muito tempo, porque desde que esta oportunidade surgiu, minha líder falava do processo de mudança que eles viveriam. Logo, me tornei sujeito nessa frase.

Mas o hotel, embora não apresentasse uma bonita paisagem, vista de qualquer que fosse o ângulo, era cômodo. Arrumação diária e lavagem de roupas no momento em que eu quisesse. Se houvesse preguiça, era a de listar os itens a serem colocados dentro da sacola rosa, azul ou verde.

O calendário daqui começa pela sexta-feira e era este dia, Fevereiro, do ano de 1377: mais precisamente, um dia 18. No nosso calendário, uma sexta-feira 13, de 2009. Não era uma manhã como todas as outras, porque o frio era mais intenso e o céu mais azul. Mas havia o café similar ao brasileiro e o croissant quente: a melhor parte da despedida antes de zarpar.
Malas prontas, dois carros, quatro pessoas. O mediterâneo estava mais bonito e a falsa orla mais suja. A areia estava fina e era resquício do vento que soprou durante a madrugada da quinta-feira.

Havia garis nas ruas tentando varrer a pista para passarmos e o céu azul voltava a ser amarelo-creme-caramelo. Diferente e adorável.

Um luxuoso portão automático começou a ser aberto, carro na bica da garagem, vizinhos melhor dispostos, estética bela e decoração moderna. As malas traziam consigo um peso do passado recente. O meu cheirava a Brasil. O da minha líder, com quem vou dividir a casa, histórias de longos 11 meses ainda por mim desconhecidos.

Chave na fechadura, força na porta para a contra-mão do que nos é normal, retorna à direita como se fôssemos quebrá-la e... luz! Lá estavam radiante os raios solares em uma sala lindamente vazia e sem cortinas. Móveis para quê se é a alma que preenche?

Cozinha montada, quartos montados, calefação, banheiro com banheira, piscininha - que de "inha" tem só a minha interpretação - jardim, vizinhos fazendeiros - bééé - vista aos olhos do céu sem nuvens e DVD... ah... Julieta Venegas foi a primeira a cantar no nosso primeiro dia. E, sendo sexta-feira, foi um bom início de ciclo. Mesmo sendo 13 - ou 18.

Eu, até então, não tinha movido literalmente nenhum dedo para que aquilo tudo estivesse tão familiarmente pronto e tive o privilégio de me deparar com o luxo de uma cafeteira, sanduicheira e liquidifcador. Bolo, será? A minha líder tinha feito tudo e sozinha. Me senti... enfim, pula o adjetivo: decidi (começar a) ajudar. E comemoramos com água a conquista do novo e bom lar e, principalmente,o charme da cozinha com equipamentos brancos: forno de microondas!

Saímos para comprar comida e tive a grata surpresa de entender a embalagem de alguns mantimentos, principalmente café (salve-salve globalização, Lavazza para a prateleira!), biscoitos: Marilan está por aqui!, sabão em pó e amaciante - detergente escolhemos pela melhor combinação de cores do rótulo, que espero indicar qualidade. Ha-ha.

Mas o melhor foi chegarmos em casa e, no ato de guardar as coisas, a minha líder dizer "ah, tudo tão bonitinho né? Olha a sanduicheira!". Um momento de pausa e ela continuou: "a gente não comprou pão: você come pão?". Eu, já rindo, respondi "não", hahahaha. Que crise!!
Temos uma sanduicheira mas não comemos pão - já basta os da hora do almoço para suprir a necessidade não preenchida com o tempero local. E continuou, ao guardar folhas de alface na geladeira "Meu, nem parece que fizemos compra! Que geladeira vazia!". Foi alegria. E aí eu percebi: Não havia Nescau, ovos, muito menos farinha. Ah sim, o bolo vai ser de vento. Ter idéias nem sempre resultam em algo prático, não é mesmo?

Mas no fim, o nescafé com biscoito teve o mesmo efeito de um belo jantar com sobremesa, tamanha era a felicidade ali dentro. Um infinito bem particular. Pois é, a cafeteira não funciona bem - ou talvez o problema esteja entre o botão que a liga e o dedo de quem a pressiona, haha.

Amanhã teremos visita: salve-salve sanduicheira!

PS: A pessoa veio e pudemos celebrar uma semana de casa nova com uma boa companhia, cerveja (sem álcool), petiscos (pistaches, amêndoas e castanhas em geral), queijo francês e, por fim, um belo peixe assado com molho de alcaparras, batatas, arroz e uma salada sensacional - com milho =). Claro que meu papel foi lavar as folhas da salada, haha. Ah, teve morango com chocolate, acompanhado de um café Londrino. Delícia de "Domingão", faltou só a família e os amigos que estavam no Carnaval!


sábado, 14 de fevereiro de 2009

Só com a metade do cérebro

Cérebro [(...) 2. Inteligência, razão, espírito (...)].
Michaelis

Eu sempre fui aquela menina da turma que era a amiga das populares, dos nerds, dos pobres, dos excluídos e dos novatos. E acho que o meu tratamento comum a todas as pessoas, independentemente da origem delas, vem do ensinamento dos meus pais e da base familiar que eles construíram para mim e para meus irmãos.

Aprendi que no final todos vão feder igual e que as pessoas sentem e sofrem os mesmos sentimentos. Mas estando em um outro país e tão diferente ao que estamos aconstumados, este ensinamento hoje chamado de "sensibilidade cultural" se aflora e se torna mais evidente, mais cotidiano. E passamos a valorizá-lo em momentos não tão legais: "a gente cresce é na adversidade".

Antes de vir para cá conheci uma pessoa originalmente do Rio, que trabalhou comigo em São Paulo por dois meses. Ficamos bem amigos, próximos, companheiros e confidentes em um relacionamento familiar que acho que nunca tive com nenhum dos meus dois irmãos de sangue: "de sangue" porque este amigo do Rio será meu irmão igual, meu irmão da vida. Mas chegando aqui ele teve um problema de saúde e hoje precisou voltar ao Brasil para tratamento. E até que fosse essa a decisão - voltar - vivemos uma longa história em um lugar sem estrutura e com várias limitações; mas como todo país é feito de pessoas e livros - já dizia Monteiro Lobato - e pessoas muito boas - eu acrescento - houve salvação!

Nessa insatisfação, nesta comunicação travada, na falta de entendimento e de orientações, ficou claro para mim que se todos entendessem e aplicassem o que lhes foi ensinado, pelos livros ou pelos pais, a sensibilidade cultural poderia contribuir e muito para que as coisas fossem mais leves. Talvez até menos lenta.

E, antes de vir para este país, eu tive o privilégio de poder ter vivido nos últimos três anos com pessoas de vários lugares, várias culturas, "n" variações de comportamento. Principalmente no meu último ano eu aprendi a ser pontual porque holandeses e ucranianos se sentem absurdamente desrespeitados pelo atraso; porque ingleses e australianos são mais diretos na comunicação oral, mas nem por isso gostam menos de você; porque indianos comem carne e tomam cerveja sim; porque chineses (garotos) geralmente não dizem "oi" a uma garota antes dos 16 anos, a não ser que seja parente próximo; porque italianos não gostam mesmo de colocar catchup na pizza ou talvez porque eslovacos colham batata no verão para visitarem outros países da Europa no inverno.

E, aqui, não devo me deixar levar por ser brasileira. É preciso entender do que são formadas as pessoas que aqui estão e vivem e que eu me enquadre nelas. Enfim, ser sensível culturalmente nada mais é do que uma soma de fatores e característica que, se não temos, podemos desenvolver:

- Inclusão: Forma como as pessoas se comportam e se interagem em grupo, envolvendo cada um no processo de decisão e gerando performance inspirada pela confiança e pelo respeito. Sentimento ou atitude de admiração por alguém ou alguma coisa, valorizando as pessoas e deixando-as agir de acordo com cada umade sua unicidade.
- Compreensão ao outro: Habilidade de identificar e entender o sentimento das outras pessoas ou dificuldades, conectando-a em torno de suas ações e emoções.
- Auto-conhecimento: Equilibrada e honesta visão de sua própria personalidade e habilidade de interagir com as outras pessoas franca e confidencialmente.
- Pensamento flexível: Usar de conhecimento/expertise técnica efetiva para analisar as informações e situações, tomando de forma mais eficiente as decisões, bem como estando pronto para mudar de opinião.
- Comunicação efeitva: Ser claro no fornecimento de mensagens (feebdack ou opiniões escritas ou verbais) para convergir as necessidades de todas as pessoas envolvidas.

Parece complexo, mas não é. Principalmente porque é o viver, lê-se, portanto, a soma das nossas ações pessoais e profissionais. Assim, não importa origem; cor ou credo; ditadura ou liberdade; paternalismo ou agressividade. O sujeito em questão é uma pessoa e, assim sendo, deveria merecer tratamento respeitoso, se àquelas ao seu redor estivessem sensíveis a ele e a si mesmo. Os locais deram show: de novo, aqui há homens bons!
Há muito espaço para aprender. E a irracionalidade está na nossa cabeça. E a sensibilidade, também.

Para constar, sensibilidade cultural é uma das quatro características que forma o perfil de um agente de mudanças positivo. Em breve destrincho sobre as demais, se assim for.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Um dia daqueles

Reunião.: [1 Ação ou efeito de reunir ou reunir-se. 2 Conjunto de pessoas que se agrupam para algum fim (...)].
Michaelis.
Há vários encarregados brasileiros que não falam inglês. Há ainda engenheiros e pessoas em níveis mais estratégicos que também não falam outro idioma senão o nativo - seja turco, português, mexicano, indiano, equatoriano, etc.

E dentre vários outros fatores que levam à desmotivação, não conseguir se comunicar pesa fatorialmente no efeito dessas causas. Podem me propor a implementação de todas as ferramentas de comunicação interna que possa amenizar esta ocorrência, provavelmente aqui não vai funcionar: tudo é fora da curva demais, diferente demais, inesperado demais para seguir-se bem com os padrões estudados em livros e vividos em uma organização dinâmica "normal".

Assim, meu encargo esta semana era fazer reuniões em (boas) escolas de inglês para conhecer material e metodologia que possam atender à expectativa dessas pessoas que não só querem, mas precisam se comunicar - de modo efetivo e rápido.

O senhor Ahmed (lê-se Arrrrméd) foi comigo. É um típico líbio cinqüentão, estatura mediana, barriguinha - não de chopp, haha, deve ser de pão - óculos anos 20 - estilo RayBan, mas não deve ser também - e um discreto mas ao mesmo tempo notável bigode fino. Moreno, claro. Ele estava na van acompanhado do motorista - que não falava inglês. Nossa comunicação no trajeto de ida e volta foi "bom dia" e "Obrigada", em árabe. Ele tentou um "tudo bem" em português mas não foi muito feliz. Houve um embaraço.
Durante os trinta minutos que levamos para chegar à primeira escola de inglês, eles falavam árabe, portanto, coloquei uma música para ouvir e me isolei daquele ambiente nada convidadito: homens líbios falando árabe. E enquanto andávamos eu pensava porque o Sr. Ahmed havia ido comigo. Que tipo de contribuição ele faria. Afinal, qual era a função daquele cidadão que tinha se apresentado a mim, formalmente, dois dias atrás.

Chegamos à escola. Do lado de fora, uma casa com duas janelas do lado esquerdo e a porta de entrada do lado direito. Não havia jardim e não tinha a cor creme: era azul. Achei interessante ser diferente das que existem de praxe. Entramos e havia uma mulher mais velha de burca em uma mesa que deveria ser algo como a recepção. O Sr. Ahmed começou a falar em árabe, logo ela se levantou, abriu mais uma porta e nos levou a uma outra, mais à frente, à direita. Era estranho. A calefação da sala não estava ligada e comecei a sentir um frio emocional. Me distraí observando a mesa de reunião, a mesa de alguém que deveria ser um diretor e a estante - com poucos livros. Quando voltei à Terra, o Sr. Ahmed me perguntava em inglês se queria café. Aceitei, afinal, o frio estava interno a mim também.

Logo, chega um cidadão de dentes mal-tratados, careca, mais baixo que o Sr. Ahmed, com o cigarro deixado a ser queimado sem ser tragado, nas mãos. Vestia algo como um terno, mas não era um paletó e uma gravata ao qual estamos habituados. Ele olhou para mim, esticou a mão direita, retribui, disse meu nome e "prazer em conhecê-lo" em inglês. Ele voltou o olhar para o Sr. Ahmed que traduziu para mim dizendo "Ele é o Diretor Geral da Escola e não fala inglês".

"Hmmmmmmmmmmm" - Foi tudo o que consegui expressar com um sorriso corporativo. Na verdade, me deu vontade de rir. Que situação!

Nisso o Sr. Jalal (não me pergunte como se pronuncia), dono da escola, pega um pequeno aparelho branco, como um mouse sutil, e começa a apertar um tipo de campainha. Insistentemente. Acho que mais de cinco vezes. Um minuto depois chega a senhora de burca com os cafés, suco de laranja, cinzeiro e água. Ele estava nervoso, eu acho, com a "demora" da senhora em nos servir.

E por uma hora e quinze minutos a cena se repetia: cigarro entre os dedos da mão direita, raramente tragados, sendo queimados e com as cinzas caindo no tapete, a sala cada vez mais fria, o café horrivelmente saboroso - não arrisquei o suco, pois a laranja daqui é rosa. É, pois é. E a campainha sendo pressionada a cada instante, sem serventia alguma. A senhora chegava, olhava para o diretor e saía. Conversas em árabe. Traduções rápidas para mim. E, dentre essas ações, o Sr. Jalal se levanta e pega quatro álbuns de foto. Álbuns dos anos 1800. Amarelo. Naquele momento desisti de entender qualquer coisa. Em resumo, eram fotos da Marinha Egípcia em uma visita à Líbia, quando a tal escola fechou parceria para dar treinamentos e cursos em geral. Eu fingia olhar admirada, achando aquilo tudo muito interessante e entre os meus "hmmmm", "hmmmm", "hmmmm" - ahahahaha - o Sr. Ahmed disse para mim: "Bárbara, esta foto é um jantar que eles ofereceram para a marinha, em agradecimento à confiança. Foi realizado no melhor restaurante de Tripoli, algo como 110 dinares por pessoa, sem bebidas (=R$198,00) e como o Sr. Jalal simpatizou com você, disse que vai convidá-la e, não se preocupe com o preço, ele paga". Ó Deus. Falei algo como "Inshallah", ou seja, "Se Deus permitir'. E Deus que me livre de ter que aceitar um convite do Sr. Cigarrinho na Mão com Dentes Mal-Conservados! Imaginem só a (falta) de comunicação?

Quinze minutos depois o Sr. Ahmed se levantou e disse "vamos?".

E assim fomos. Ah, claro!, conheci a metodologia, os livros, a didática e etc, em uns cinco minutos de toda a estada vivida naquela experiência difícil de se compartilhar pela escrita ou pela palavra falada. Só estando lá mesmo. No fim das contas, gostei muito. Vi que as reuniões e o trato aqui não podem e não devem ser puramente comercial. Há que se falar da família, da vida, mostrar fotos que não dizem nada. O resultado dessa confiança compartilhada pode virar um negócio. O que acho realmente que não vai ser o caso.

No dia seguinte, em outra visita à outra escola, tive uma experiência comum: O diretor falava inglês, não fumava, focou 99% do tempo da reunião nas referências, nas empresas-clientes, no material utilizado, nas parcerias com escolas dos EUA, Suíça, Malta, Emirados Árabes e Reino Unido. Foi profissional, não líbio. Aliás, quase. Porque nos minutos finais contou que está mobiliando sua casa de 1300 metros quadrados e que provavelmente vai à China e à Dubai em busca de móveis mais sofisticados: 400 mil dólares para decorar o jardim e a área da piscina. Enfim, melhor do que ver fotos de Egípcios da Marinha.

E, definitivamente, eu preciso aprender árabe: Inshallah!
*Não adesão à nova regra gramatical.