terça-feira, 31 de outubro de 2017

E a vulnerabilidade corporativa?

"(...) Eu sei que vulnerabilidade é o centro da vergonha e do medo e da nossa luta por merecimento mas parece que também é a origem da alegria, da criatividade, do pertencimento, do amor. E acho que tenho um problema, e preciso de ajuda." Brené Brown

Tenho visto com frequência um aumento de compartilhamento sobre "vulnerabilidade", mas gostaria de focar em duas de suas premissas:

- não julgar;
- estar aberto.

Particularmente acho muito difícil ambos e por mais que eu tenha tomado cada vez mais consciência do jeito que sou e ajo, às vezes me chateio ao me pegar julgando e não estando aberta para o outro tão genuinamente quanto poderia - e me chateia porque gostaria de ser mais consistente, só nessas duas, para começar.

Nas relações familiares e com amigos próximos acho que consigo ser mais dessa forma, sem racionalizar tanto: compartilho os meus anseios, medos, frustrações - mas é curioso observar que a maior vibração do dividir está nas alegrias, no amor, no bom humor.

Se é tão difícil sermos vulneráveis com aqueles que, teoricamente, pouco nos julgariam e tanto são abertos, imaginar isso acontecendo no ambiente de trabalho ainda é bem difícil: uma pena!

Nos últimos meses li sobre o despreparo das organizações em lidar com o luto de funcionários, seja quando perdem pais, filhos, irmãos, espos@s, enfim, não importa quem, mas parece que a dor também parece não importar - muito.

Se organizações são pessoas e se as pessoas mal se permitem - ou conseguem - ser vulneráveis em seus círculos íntimos, quiçá no trabalho, em que falhar e, sobretudo, reconhecer os aprendizados via erro, continuam raros.

Acho que vou além dos pedidos que vejo de que sejamos vulneráveis, acrescentando, "por quê não ser no trabalho?".

Depois que li sobre o impacto positivo, inclusive em termos de resultados de negócios, nas organizações em que os líderes puderam chorar, falar sobre as tristezas e os problemas que os abatem pessoalmente, principalmente nos cenários de luto, o efeito desencadeador foi extremamente significativo do ponto da cultura e do engajamento que se cria. 

Acolher as pessoas em pós-traumas e permitir que se manifestem quanto ao que sentem é uma "vulnerabilidade corporativa" e, de fato, ainda são poucos os que têm coragem de correr o risco, para si e para organização - aliás, o que significa agir com coragem, não é?

Nessas eras de automatização e foco em tecnologia, tem muita gente se esquecendo do que o faz humano: um lamento - ou uma oportunidade de transformar o que tem pouca organização transformando; ainda: coragem para não julgar e se abrir.



terça-feira, 24 de outubro de 2017

Das mudanças

"Nós definimos algumas das coisas que mais nos importam quando nos atrevemos a nos perguntar se o que esperançamos nunca mudará". School of Life.

Para fechar as reflexões do curso - misturada a tantas outras que tenho tido - depois de ter me dado conta, então, que quem você é não necessariamente significa o que você faz; que o trabalho nem sempre vai te dar tudo o que você espera dele, e que ao adquirir consciência sobre isso, você tem mais perspectiva de mudar, alocando uma necessidade a uma outra atividade e, inclusive, priorizando seu tempo para o que efetivamente te importa; me dei conta de que, independentemente do que for aquilo que você vai mexer - prioridades no trabalho, o trabalho em si, atividades extras, relações, significado do que verdadeiramente faz sentido para você - nenhum êxito será alcançado, sem qualquer mudança.

A consciência de estarmos num momento x hoje e de que esse momento não é mais satisfatório, abre espaço para algumas alterações - grandes ou pequenas, visíveis  ou não, mas diferentes do que sempre foi.

Nesse contexto, a pergunta lançada era "Quais são as mudanças que você precisa fazer, para fazer o que mais se aproxima sobre quem você é?".

De novo, com calma:
- Quais são as mudanças
- que você precisa fazer
- para fazer
- o que mais se aproxima
- de quem você é?


Uma dica?
Respire.


Outra dica?
Comece pequeno.

Um passo.

Uma mudança.

Aos poucos.


"(...) Serenidade para aceitar as coisas que não posso mudar
Coragem para mudar as coisas que posso
E sabedoria para conhecer a diferença entre elas". Reinhold Niebuhr




terça-feira, 17 de outubro de 2017

Meus pais e o trabalho

"Em uma escolha entre o amor e a nossa própria satisfação, é compreensível se muitas vezes fechamos nossos horizontes para preservar nosso relacionamento com aqueles que nos levaram ao mundo". Sobre o livro "Middlemarch: um estudo da vida provinciana", de George Eliot.

Ainda sobre o curso da School of Life, outro momento eureka para mim foi criar consciência de que a forma como meus pais encararam o trabalho a vida inteira foi tão responsável pela minha liberdade, quanto eu mesma. 

E, sobretudo, como esse tema está cada vez mais relevante na formação das pessoas, e o cuidado que devemos tomar ao chegarmos em casa e compartilhar, em família, nossas experiências:

1. Tive ainda mais convicção de que o que fazemos não nos define;
2. Quebrar a corrente da pergunta às crianças "o que você vai ser quando crescer", listando características, não profissões;
3. Reforçar que nossa identidade é quem somos, não o que fazemos e que ter essa clareza vai nos ajudar a pedir do trabalho aquilo que vamos querer dele e não o que achávamos que ele deva suprir.

Descobri, em uma reflexão rápida e depois de ter mandado uma mensagem para meus irmãos no whatsapp, que embora meus pais não fossem apaixonados pelo que faziam, não tivessem esse viés de "propósito", "mudar o mundo", eles nos ensinaram que o valor deles ao trabalho era conviver com pessoas ora semelhantes, ora diferentes; que com a dedicação puderam nos dar uma excelente educação, lazer e, sobretudo, caráter sobre a utilização dessas conquistas materiais. 

Descobri que não cresci em um universo de reclamações, fossem elas "meu chefe é escroto", "meu trabalho é chato", "trabalho demais", mesmo que eles tenham vivido cada uma dessas dificuldades, diversas vezes.

Descobri que embora as leis hoje sejam diferentes das do século XVIII, XIX e até XX, em que os filhos só poderiam trabalhar em funções que o pai (na grande maioria dos casos) autorizasse, ou que ele estabelecesse ser "bom o suficiente para meu filho", que há ainda muitas, muitas, muitas pessoas que escolhem o trabalho nessa premissa familiar e que então, sobretudo, o amor pode mesmo controlar mais do que a ausência de leis, principalmente se vier carregado de medo ou liberdade.

Descobri, por fim, que por mais que eu achasse que eu não tinha uma premissa familiar para o trabalho, tive certeza que sim. Mas como ela foi discreta, verdadeira, introjetada organicamente, veio como na formação do caráter, na vivência máxima de que sou livre para ser feliz e que o trabalho deverá ser para mim o que eu quiser que ele seja. 

E esse exercício de amar, libertando o outro, deve ser um dos mais difíceis: Obrigada mãe, e pai: Isso fez toda a diferença!

terça-feira, 10 de outubro de 2017

O que o trabalho te dá?

"O verdadeiro conhecimento vem de dentro". Sócrates.

Esse fim de semana eu fiz um curso intensivo de carreira da School of Life, maravilhoso!: passamos pela história do trabalho, pela importância do autoconhecimento, da leitura de cenário e, principalmente, do significado do trabalho que cada um tem para si - grata surpresa estar alinhada com o David Baker!

Dentre as muitas perguntas feitas ao longo dos dois dias, uma que muito me chamou atenção foi "O que o trabalho nos dá?".

Simples, mas nem tanto.

Foram muitas as palavras listadas no flipchart pelo grupo: tinha desde "dinheiro", "satisfação", "reconhecimento", a "dignidade".

Curioso ter clareza de que assim como tudo na vida, o trabalho não vai te dar tudo também: não existe isso, né? Mas por que é tão difícil entendermos e por que exigimos tanto de nós mesmos e, sobretudo, do nosso trabalho - seja do nosso chefe, dos nossos colegas, dos nossos clientes, da estrutura do lugar em si?

O exercício mais rico foi pensar nessa lista e alocar algumas palavras para outras experiências, por exemplo: se em algum momento o trabalho não me der mais desafio, eu consigo me motivar me estabelecendo uma meta de participar de uma maratona?, e aí eu aproveito que o trabalho me demanda menos, para que eu possa fazer outra coisa? Afinal, por que é que a gente não sabe usar muito bem o tempo fora trabalho? 

No fim das contas, a grande pergunta foi "o trabalho é apenas sobre o próprio trabalho?". 

Bom, desde este fim de semana a resposta para mim é "não" e a aventura estará em descobrir quais outras atividades eu posso fazer para ter aquilo que quero, já que o trabalho não dará tudo. E, sobretudo, que o que eu estou priorizando tem que estar alinhado com o meu momento, adequando essa matemática de olhar para dentro e para fora.

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

10 (dez) elementos sobre a não empatia do R&S

 irrelevante ter uma grande visão sem ter as pessoas certas". Jim Collins.

Depois que escrevi o "R&S e a não empatia (both ways)" tive a oportunidade de conversar com algumas pessoas sobre minha perspectiva em relação ao tema e, para resumir, eis que:

1. A empatia em si: acho mesmo que se a pessoa que representa a porta-de-entrada de uma organização olhar o CV do candidato sob uma perspectiva mais empática vai tentar entendê-lo, sem julgamento, e validar premissas, sem necessariamente trazer aquele ar de "já sabia que não tinha perfil", evitando um risco de antecipar "verdades enviesadas";

2. Querer ouvir: o próprio recrutador tem a oportunidade, inclusive, de desenvolver uma escuta mais ativa, se abrindo de fato ao que a pessoa fala e não ao filtro que ele quer usar para atender a uma interpretação própria;
3. Estar aberto: se o RH, neste caso, vai com uma postura de "vou pegá-lo na curva", por ter listado os gaps do candidato entre uma experiência e outra, provavelmente ele também não sairá ganhando: dê um passo atrás e reveja os motivos pelos quais aquela pessoa precisa ser entrevistada pr'aquela vaga, sem agenda oculta;

4. Servir primeiro: o espírito de uma entrevista deveria ser de honestidade, integralidade e atenção ao outro - só por protocolo, acredite, você vai se convencer de que aquela pessoa também não serve;
5. Aceitar que ninguém é perfeito: gerar curiosidade para entender "onde ele é bom" e focar nisso, para tentar, de verdade, fazer com que dê certo - as imperfeições são as características mais intrínsecas dos seres humanos; não as descarte!;
6. Não seja sacana, vai!: fazer perguntas que mais querem matar sua curiosidade e eventualmente expor o candidato para você se sentir mesmo melhor do que ele são práticas do passado e que dizem mais sobre você e sobre a empresa do que sobre ele;

7. Ser inteiro: se você não gosta do que faz, reavalie, porque é muito sério: dizer sim ou não vai mudar a vida dessa pessoa e não é um unmatching tipo Tinder que, depois do seu botão, virão muitos outros: você pode ser a chance de realização de um sonho dele (a)!;
8. Posicione-se: para ser estratégico não precisa ser diretor nem VP - seja o melhor que pode ser, independentemente do seu crachá e assinatura no email. Tratar o candidato como uma pessoa e não como um check list  é a oportunidade que você tem de fazer tudo aquilo que reclama que a liderança não faz: inspirar pelo exemplo;

9. Só automatizar não resolve: adquira o melhor das tecnologias para triagem de candidatos, mas acredite, nada substitui o respeito daquele instante que processualmente chamamos de "entrevista"; e cada uma é uma, porque cada pessoa vem com uma história e você pode até não gostar dela, mas precisa avaliar se os elementos da narrativa cabem no livro que a sua empresa, a qual representa, está escrevendo - e como reproduzirão, juntos;
10. Blá-blá-blá: Se nada disso interessa, faz sentido ou pode ser endereçado, só te peço mais uma coisa: se você tivesse selecionado os melhores funcionários que existem hoje na sua empresa; que empresa ela seria?

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Você é o que você faz?

“O homem que remove montanhas sempre começa retirando pequenas pedras do caminho.” – Provérbio Chinês.

Conhecemos um pouco, pela história do mundo do trabalho, que as funções desempenhadas profissionalmente estavam diretamente ligadas a quem se era - fosse você filho de peixe, peixinho seria, fosse por ofertas reduzidas e concentradas, que faziam com que se trabalhasse naquilo que estava disponível. Ou seja, trabalhava-se por "necessidade ou destino", não por "liberdade e escolha"*.

Apesar de ainda achar que "poder escolher" é um atributo, na grande maioria das vezes, de classes mais privilegiadas, o discurso tem aumentado tanto, que tem incomodado até mesmo aqueles que estavam acomodados - e tudo bem!

Comecei a ouvir pessoas dizerem:

- Babi, eu acho que não tenho um propósito, e aí?

- Eu não sei se quero mudar o mundo; será que meu trabalho não tem sentido e eu não tinha me ligado?
- Eu não impacto o mundo, acho, mas o que eu posso fazer?

Esses discursos de massa me incomodam. "Empresas dos sonhos". "Trabalho perfeito": Você sonha em ir para o Japão? Que legal, eu não. Empresas são para mim como viagens: experiências muito particulares que dependerão muito mais de quem você quer se tornar, do que você acredita, do que sabe fazer e do que busca, do que algo permanente que definirá quem você é.

De verdade, não é que você não tem um propósito, não impacta o mundo ou que seu trabalho não faz sentido: o caminho é seu, não é do coleguinha, do vizinho, do amigo - é seu. E só você pode dizer o verdadeiro papel do trabalho na sua vida e acho mesmo que estará tudo bem se você não for peixe, tendo o mar como seu habitat: É você quem vai escolher quem quer se tornar,  sendo.

A evolução do mundo do trabalho nos últimos anos tem sido tão velozmente acelerada, que, os 200 anos que a história precisou contar, antes que os filhos de padeiros pudessem ser outra coisa, que não padeiros, está se reduzindo para um espaço de cinco a 10 anos. 

Concomitantemente a esse movimento, as perguntas enlouquecedoras que os gregos se faziam no século V a.C. sobre "como ter uma boa vida" parecem um tsunami que chegou aos lugares e profissões mais impensadas do mundo moderno.

Então, mais preocupado em ser o "Fulano daquela empresa", a "Beltrana do RH", busque saber quem gostaria de se tornar - acho que vai ficar mais leve aceitar que tudo bem estar onde está agora e melhor ainda será o momento em que decidir sair e ser outra pessoa, em outro lugar. 

Se a montanha é a junção de pequenos fragmentos; se somos a soma das nossas experiências; se os empregos não são mais estáticos, porque filho de peixe, peixinho não será e se, então, a vida também não é estática, o apego, se existir, deveria ser à nossa essência e não ao nosso empregador, ao cargo atribuído, nem, tampouco, à nossa formação.


*Como encontrar o trabalho da sua vida - Roman Krznaric.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

10 perguntas para você candidatar (a si mesmo)

"Sou a única pessoa no mundo que eu realmente queria conhecer bem". Oscar Wilde.

Eu sei que é difícil buscar oportunidades de trabalho. Desanima quando, principalmente, os portais de vagas e cadastro de inscrições ou CVs têm contador e você adquire a informação das centenas, talvez milhares, de concorrentes contigo.

O sentimento de frustração é quase perene. Quando alguém responde um e-mail ou uma mensagem ou dá qualquer sinal de solidariedade, reciprocidade ou respeito mesmo, é como se um fiapo de luz virasse uma labareda; de tão importante que é nos sentirmos acolhidos e enxergar, neste outro, que às vezes nem sabemos quem é, um sujeito essencial para que nossa esperança seja uma realidade e não só um sentimento.

Da mesma forma que eu acredito que "buscar emprego" não seja fácil, nem confortável, também acredito que nos dedicamos pouco a nós mesmos, antes de aplicar para uma vaga, buscá-la ou até mesmo tentar encontrar pessoas que possam nos ajudar, com orientações, indicações ou recomendações; afinal, quando alguém nos pergunta "o que buscamos", tendemos a travar: na hora H, tudo o que parecia óbvio fica obscuro e nosso discurso perde a fluência que o pensamento parecia oferecer.

Minha sugestão? Responda para si mesmo porque você se candidataria. No que você é bom. No que verdadeiramente acredita: 

1. Como você se vê fazendo o que está escolhendo fazer?
2. Por que você escolheu o que escolheu, em termos de vida e carreira, até aqui?
3. Quais experiências você acumulou até hoje?
4. Por que razão você pediria (ou pediu) demissão? Qual a razão da sua saída nos empregos anteriores?
5. Como seu cérebro funciona?
6. O que você gosta de fazer?
7. Como é seu humor?
8. O que você pretende realizar? E por que realizar aqui; nesta oportunidade?
9. O que te levou a trabalhar nos lugarem em que trabalhou? Quais são os seus méritos?
10. Quais são seus fracassos?

Nada disso está no seu CV, nem nas respostas das fichas de inscrição. Mas sem refletir sobre questões como estas, "qualquer caminho serve" - e para "qualquer caminho", "qualquer pessoa" cabe.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

R&S e a não empatia (both ways)

Os candidatos reclamam dos recrutadores. Os recrutadores reclamam dos candidatos. Não quero entrar no que é ou está certo ou errado, afinal, como diria Marisa Monte, numa paráfrase a um amigo "(...) se tem alguém olhando não é mais verdade: vira versão".

Observo candidatos que esbravejam quando os recrutadores não dão retorno e recrutadores que dizem receber CVs demasiadamente inadequados e que, portanto, o volume não comporta o tempo e espaço por ser uma pessoa só e que não fazem por mal, apenas "não dão conta".

Todos têm seu lado, seu ponto de vista, seu argumento.

De ambos, do que sinto falta, é da empatia, da tal "humanização do processo", se é que precisávamos falar tanto disso, em se tratando de duas pessoas - o recrutador e o candidato.


O que vejo é foco no processo: um CV e uma vaga. Uma job description e um perfil em bullet points.

Fico me perguntando se o candidato quer mesmo aquela vaga ou se é a que apareceu. Se a cada vaga que ele se aplica ele muda para adequar melhor. Se ele lê sobre a empresa, se ele tenta achar amigos de amigos de amigos que eventualmente trabalham lá e que podem dar alguma força; se ele busca em plataformas que compartilham avaliações como é mesmo trabalhar ali, etc.

Me pergunto se o tal recrutador, antes de postar a vaga, se dedica em pensar, mesmo que rapidamente, na pessoa que pode exercer aquelas atribuições, contribuir, mas também aprender, ou se pensa em tags de palavras que possam trazer mais e mais aplicações para formar aquele bando de dados e se gabar de buscas futuras, mesmo sabendo que não vai voltar naquela pastinha em meio a tantas outras que tem na rede/servidor da empresa.

Na grande maioria das indústrias que estão se transformando sempre há, como um ponto alto em ser competitivo e portanto, melhor, o fato de colocar "a pessoa no centro" e então desenhar experiências, que, de um modo geral, otimizam resolução de problemas em que essa "pessoa" é o cliente - é o tal do design thinking.

Muito já se fala, então, em colocar o colaborador no centro das soluções para os problemas que ficam atribuídos ao RH. Infelizmente, pouco  - quase nunca, vai, sejamos honestos - vejo isso acontecendo nas organizações no Brasil, principalmente para estas questões de recrutamento e seleção.
Do meu ponto de vista, se o RH tem dificuldade em "fechar a vaga", o candidato é um problema importantíssimo dele, que vejo ser isolado e passa a ser objeto, quando deveria ser sujeito. Por outro lado, também acredito que o próprio candidato pode ir mudando sua postura, mesmo que não veja diferença na receptividade do recrutador. 
Se continuarmos agindo porque o outro "também age assim", a minha versão vai sempre fazer mais sentido que a sua e nós dois sairemos perdendo.

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Novos pontos de Vista

Nossa maior fraqueza está em desistir. O caminho mais certo de vencer é tentar mais uma vez.” Thomas Edison.
No último sábado em São Paulo, a Globo News, através da sua iniciativa Prisma - Novos Pontos de Vista - fechou metade do quarteirão de uma rua na região de Pinheiros, fez parceria com quatro co-workings e trouxe centenas de experiências gratuitas ao público, em forma de conversas, debates, palestras e oficinas, realizando um espetacular festival de Empreendedorismo e Inovação.

Por sorte, apesar de eu ter me inscrito apenas em quatro conversas, em algumas sessões coloquei meu nome na fila de espera e consegui entrar, podendo participar de momentos-surpresas, para os quais não havia planejado: melhor impossível!

Ouvi as jovens Ana Carolina Freitas e Giane Brocco falarem das pesquisas e aprendizados que têm adquirido com a biomimética: "A ciência que se inspira na natureza para argumentar a funcionalidade de produtos e de tecnologias". Ao lado do professor-doutor Wilson Nobre, discorreram sobre o mundo atual da abundância e sobre a urgente necessidade de nos conectarmos com a natureza, respeitando-a e aprendendo com ela, ao invés de explorá-la. 

Dentre alguns exemplos incríveis, mostraram, a partir de uma experiência de observação da proliferação de um fungo em flocos de aveia, que pesquisadores no Japão "capturaram os mecanismos-chave necessários para o fungo conectar suas fontes de alimento de uma forma eficiente, para construírem redes de comunicações e transportes mais seguras, mais eficientes e mais custo-efetivas, a partir das rotas traçadas pelo fungo".*

Depois, em duas apresentações energizantes sobre Cidades Inteligentes, a jornalista Natália Garcia e o arquiteto e urbanista Washington Farjado falaram sobre uma nova perspectiva em se atribuir inteligência nas cidades, excluindo a tecnologia como uma ferramenta fundamental para que a melhoria aconteça, trazendo exemplos de mudanças ocorridas em diversos contextos, de Veneza na Itália, a Portland nos Estados Unidos, passando por Rio de Janeiro, Brasília e São Paulo. Neste, especificamente, fiquei abismada em saber que três milhões de pessoas se deslocam diariamente entre a zona leste e o centro de São Paulo - imaginem movermos um Uruguai todos os dias? - e, meu novo prisma, ao final, foi passar a pensar sobre como vivem os refugiados da nossa própria experiência urbana, tão pouco humana.

As duas participações seguintes foram as de bônus!: "Esgoto para beber: a água de reúso potável é uma ótima solução para a crise hídrica mundial. Mas precisamos filtrar o preconceito", com Eduardo Pacheco, atual diretor-técnico do portal de tratamento de água, que também mostrou, inclusive no Brasil, parcerias público-privadas que têm feito do esgoto água para beber.

Todas estas atividades foram no Impact Hub. Dali segui para o Ahoy Berlim para tentar a sorte - que me atendeu - e assistir ao painel "Negócios de impacto social: quando lucro é resultado do bem que você faz ao mundo", em que o meu novo olhar foi para ações voltadas aos direitos da criança e do adolescente, principalmente através das iniciativas do ErêLab - que eu particularmente não conhecia e amarrou bem a prática com a teoria do que é empreender socialmente.

De volta ao QG, a cereja do bolo foi o painel "Unschooling: a escola revolucionária que educa para o futuro", intermediada pelo jornalista André Trigueiro e apresentado por Leandro Herrera, fundador da startup de educação Tera, "que utiliza um método inovador de ensino baseado em projetos para formar uma nova geração de líderes em design, tecnologia e negócios na era digital" e pelo maravilho mestre José Pacheco, criador da Escola da Ponte, "uma escola sem séries, sem prova, sem “aula” e focada na autonomia e protagonismo do aluno".  

Dentre as várias perspectivas que eles trouxeram sobre o papel da educação e sobre o movimento contrário a ela que infelizmente as políticas públicas do Brasil adotam atualmente, a mais impactante para mim, que, utilizando as palavras do André, me "descortinou as ilusões", foi a da perversão do discurso que se há versus a pobreza das práticas e a obscenidade do silêncio dos pedagogos que são utilizados como objeto e não sujeito.

Sobretudo, que a curiosidade é a matéria-prima da aprendizagem e que sem o exercício de gerar significado, para atribuir vínculo, nenhuma forma servirá!

Ao final de tantas horas com incontáveis exemplos positivos, escolher a sua inquietação e tentar resolvê-la parece mesmo ser invencível. São anos e anos de esforço, sacrifício, mas sobretudo, de vivência de legado que se quer deixar no Brasil e, quem sabe, no mundo.

Fico extremamente feliz por uma organização como a Globo fomentar isso e colocar luz ao que não é sombra. Ao final dessa semana, o próprio canal da GloboNews deve exibir um programa especial sobre o que foi o festival. Caso você não tenha participado, sugiro se organizar para assistir: quanto mais inspiração as pessoas se permitirem sentir, mais pessoas vão acreditar que a mudança que querem ver começa mesmo na transformação de si.


*http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=fungo-supera-engenheiros-projeto-redes&id=010180100209#.WayEXciGPIU 




terça-feira, 29 de agosto de 2017

O mito de que atrair e selecionar resolve

"O esquecimento sistemático do antigo é um e o único meio de forçar o novo." Peter Drucker

A gente sabe que está essa falação sobre propósito, sobre os jovens se motivarem por fatores extrínsecos diferentes dos habituais ofertados pelas políticas de RH, principalmente das grandes organizações.

A gente sabe que boa parte da responsabilidade de atrair, selecionar e reter os tais talentos recai sobre o RH.

E a gente sabe que, por mais que se fale muito também sobre o papel da liderança em deixar de mandar e passar a inspirar, desenvolvendo as pessoas, ainda não aprendemos a trabalhar com os rebeldes: nem líderes, nem RHs - e estou sendo literal mesmo: segundo o dicionário, rebelde é "o que ou quem não se submete, não acata ordem ou disciplina; insubordinado".

Não é uma apologia ao anarquismo, mas uma tentativa de compreensão, provocativa, sobre o que de fato queremos - pessoas e organizações - seja no papel de líder ou de RH.

Tenho, felizmente, conhecido profissionais genuinamente interessados em transformar positivamente a forma como conduzem uma experiência voltada a resultados de negócios, que pragmaticamente colocam o "humano no centro de tudo" e propõem soluções integradas à aliviar as suas dores, não sendo superficiais em apenas promover pontuais prazeres.

Nestas minhas trocas e experiências, percebo empresas de verdade, porque são feitas de pessoas de verdade, no exercício do desapego e do interesse em construírem um legado e uma entrega coerentes com a promessa que fizeram ao longo do encantamento da atração e da seleção.

Histórica e culturalmente, o RH tende a valorizar o "politicamente correto", mas as pessoas hoje que incomodam nas organizações - e não limito este papel apenas aos jovens - são as que provavelmente farão a diferença - e aquelas que não encontrarem espaço, apoio e condição real de quebrar o status quo, serão aquelas que não se sentindo adequadas sairão para montar as empresas que estão mudando o mundo e que poderão, inclusive, quebrar ou incomodar ainda mais as organizações que conseguiram tê-las, mas não aproveitá-las.

Por outro lado, mesmo que se tenha um RH não tão apegado à zona de conforto do não risco, ele pouco conseguirá influenciar se a liderança apenas reclamar do rebelde e não se dispuser a lidar com ele, mesmo que tenha razão sobre os defeitos dessa insubordinação.

A questão, ao meu ver, é que ter cada vez mais consciência de que uma escolha que traga mais prosperidade a longo prazo, mesmo que menos prazer a curto prazo e que exija dos influenciadores da organização que também quebrem o próprio status quo e se assumam inábeis para lidar com muitos dos desafios atuais, a começar por desenvolver os rebeldes, é uma das mais importantes escolhas, fazendo-se entender de que a fuga da dor de hoje é evitar a conquista do prazer e da satisfação da perpetuidade dos negócios ao longo do tempo.

E é por isso que escolher é libertador: mais do que decidir é bancar a decisão de ter que arduamente desenvolver essas pessoas, porque a meta de atrair e selecionar não é sustentável para ninguém: nem líderes, nem RHs - e não há outra forma de fazer, senão reaprender e se permitir para algo novo: bem novo!

terça-feira, 22 de agosto de 2017

O vazio preenchido do deserto - o último

Não vês que somos viajantes?
E tu me perguntas:
Que é viajar?
Eu respondo com uma palavra: é avançar!
Experimentais isto em ti
Que nunca te satisfaças com aquilo que és
Para que sejas um dia aquilo que ainda não és.
Avança sempre! Não fiques parado no caminho.
Santo Agostinho.

Depois do banho, voltamos à rua Caracoles no início da noite para tentarmos agendar os passeios que nossos colegas haviam sugerido - Flamingos! - e foi uma correria só, porque também gostaríamos de fazer as Termas Puritama, um oásis de cachoeiras (quedas d'água, na verdade) e oito piscinas que têm a temperatura da água entre 28oC e 35oC; e as agências estavam fechando: nossa dúvida era se fazíamos os Flamingos de manhã e as Termas à tarde, o que não era recomendado, porque apesar da água ser quente, o sol só bate de manhã; ou seja, sair das piscinas seria no mínimo corajoso.

Como não queríamos abrir mão dos Flamingos, decidimos que não havia muito o que pensar e logo fechamos os tours, jantamos por ali num lugar delicioso, que ficaria por horas, mas o transfer nos buscaria entre 6:30 - 6:45 e acordar naquele frio matinal seria um suplício: ou seja, nada de segunda garrafa de vinho, muito menos ouvir a segunda banda. 

A chegada até o Parque Nacional dos Flamingos foi tranquila, demorou uma horinha, se não me engano, mas descer da van foi difícil: fazia grau negativo e ventava, ventava, ventava. O guia preparou café da manhã para o nosso grupo, com um pão delicioso, mas mal conseguia ficar do lado de fora: em poucos minutos voltei para a van e desejei um cobertor, quando olhei pela janela e vi a Amanda lá longe, tirando fotos da Lagoa de Chaxa.

Confesso que demorei um tempo até criar coragem para sair e encarar o frio para desfrutar de todo aquele oásis inacreditável, ainda sem flamingos, que são as lagoas  no meio do deserto de sal. Andamos por horas pelo parque e nos surpreendíamos a cada parada que explicava a formação daquelas lagoas: toda a água é proveniente do degelo das Cordilheira dos Andes e como ela escoa por vias subterrâneas, carrega muitos minerais, que deixam o deserto mais acinzentado do que branco. Isto, no contexto de um céu azul celeste, com o rosa dos flamingos e o branco de outros pássaros, nos fez n'algum momento sentar e contemplar, por muito tempo.

O frio já não incomodava mais e também já era hora de partir: seguimos com o grupo para a comunidade de Toconao, que embora já havíamos ido, o guia nos dissera que faria outros pontos de parada. Já na pracinha do povoado, entramos numa igrejinha linda, acolhedora, que ainda guarda ruínas da construção original, de 1744. 

Dali, demos uma volta para conhecermos os trabalhos das artesãs locais e, aos poucos, começarmos o rito de despedida daquela viagem incrível, com muita conexão com a natureza e o espírito do tempo, de tantas épocas distintas.

Quando voltamos à São Pedro o relógio já passara das 13h e Amanda e eu nem pestanejamos outra solução para o almoço, que não as maravilhosas empanadas do Café Esquina, já que o transfer para as Termas sairia as 14 horas - para nossa surpresa o passeio só tinha nós duas e, segundo o motorista, "não é comum ir às Termas à tarde. Lá faz muito frio, quando sai da água. Melhor ir de manhã".

Amanda e eu já estávamos de biquíni e achei, ingenuamente, que, chegando, só me bastaria tirar os casacos, térmica, cachecol, gorro, luva para "tomar um sol": fria ilusão - a coisa é tão séria de "não ir à tarde", que o ingresso às termas é o dobro do valor, se você vai de manhã; ou seja, passar frio é uma espécia de promoção (risos).

Mais uma vez, não tínhamos o que fazer, senão ir: e que ida! Que lugar maravilhoso! 

A estrada em si vale a pena pela paisagem e pelo frescor do vento e do cheiro tão diferente de qualquer outro clima ou ambiente natural.

Meu coração já palpitava, sentindo que estava acabando.

Os 800 metros de trilha até chegar às piscinas são de um verde com bege harmônicos e, lá debaixo, ao olhar para cima, me dei conta, de novo: "Estou num oásis no meio do deserto!".

Depois de lermos várias informações distintas sobre as piscinas, Amanda e eu optamos por entrar na mais quente e ficar nela, sem trocarmos uma e outra, para não corrermos o risco de desistir na primeira rajada de vento - e entrar não foi difícil: em segundos tirei os quilos de roupa roupa e pulei - relaxante e mágica a experiência.

Talvez duas horas tenham se passado, quando decidimos sair. Eu fui primeiro, a toalha já estava bem rente à borda das pedras que nos servem de escada: inacreditável e indescritível o frio! Nada comparado ao tour astronômico, ou à espera do amanhecer dos Flamingos. Eu não sentia nada, apenas meus ossos se contorcerem. A dor do gelo do frio era tamanha, que quando a Amanda saiu, mal podia mexer os braços para pegar a mochila e o tênis dela. E ainda tínhamos a máquina. E a minha mochila. 

Trêmula, com meus lábios roxos e, parada, sem conseguir me mover, só consegui dizer: "corre, vai para o banheiro!". Mas a Amanda só ria, de dor e nervoso. A gente não conseguia se mexer. Ficamos, as duas, curvas, quase em posição fetal, tremendo, querendo rir e chorar. 

Não sei como, muito menos da onde, me veio uma força, transformei a energia em calor, dei um passo para frente, e outro. Peguei a minha mochila. A dela. A máquina. Meu tênis. Faltava o dela. E eu só consegui dizer, tremendo, "vem, vamos".

Dali para frente deu branco.

Só me lembro de, já no vestiário, eu pular e gritar "puta-que-pariu-que-frio-da-porra-vou-morrer-relaxa-o-caral**".

Pânico. De-ses-pe-ra-do-ra a sensação. Quando enfim me vesti e me sentei para calçar o tênis, eu só conseguia pensar: "meia, eu te amo! Você é a melhor invenção de todos os tempos!". Por uns cinco minutos, sentada, em silêncio, mesmo com o cabelo molhado, eu finalmente pude sentir o impacto das águas termais no meu corpo e relaxar, com os pés, o corpo e o coração quentes.

Ao sairmos e, enquanto subíamos a trilha de volta, eu só conseguia agradecer ao universo por ter construído aquilo tudo e por nos meus extremos me lembrar dos meus limites e, sobretudo, da coragem em superá-los: toda dor vale a pena!

De volta a rua Caracoles, no fim do dia, admiramos mais um por do sol. Brindamos com um clássico Carmenere e voltamos à pousada para esperar a van que nos levaria de volta à Calama.

Apesar da estrada me parecer conhecida, era eu quem precisava me reconhecer depois de tantas novas experiências e novas descobertas sobre mim mesma e minha relação com este mundo, vasto mundo.




terça-feira, 15 de agosto de 2017

Um forte de ruínas no Deserto | parte IV

"O caminho é o que importa, não o seu fim. Se viajar depressa demais, vai perder aquilo que o fez viajar." (Louis L'Amour)

Andamos pela rua Caracoles, entramos em ruelas que ainda não tínhamos ido, voltamos às lojas de câmbio, considerando trocar mais dólares por pesos chilenos, avaliando uma possibilidade de fazer um passeio de balão, se esgotássemos todas as rotas alternativas nos próximos dias.
Já era quase início da tarde quando nos lembramos de termos visto uma casinha com a placa de "central de informação ao turista" na praça principal - e única. Fomos até lá e perguntamos o que poderíamos fazer, além daquilo que tínhamos feito.

O atendente reforçou "todo lugar cerrado por la nieve", falou da ida de bike ao Vale de la Muerte e, quando estava prestes a desistir de trazer algo novo para nós, perguntou: "O Pukará de Quitor, vocês também já conheceram?".
- Opa! Este não! - olhei para a Amanda.
Ela pediu para que ele nos mostrasse no mapa: "vai que" havíamos entendido errado o portunhol dele.

De fato, não havíamos ido, mas nos animamos ainda mais quando ele disse que deveríamos ir a pé. Segundo ele, e mostrando no mapa também desproporcional, "3km do centro de São Pedro até lá".

Embora nossas pernas ainda doíam da pedalada do dia anterior, havíamos dormido bem, o café da manhã fora novamente mega reforçado. 
Na saída da Caracoles, olhamos para a direita e passei a seguir às coordenadas da Amanda: sou péssima para mapas! e ela disse com muita segurança: "depois daquela direita, é só seguir reto".
E foi. Mas por um bom tempo sentimos dúvidas sobre o caminho pelo qual caminhávamos, já que não havia placa e todas as referências do mapa desproporcional mais nos irritava ou confundia do que ajudava.

Quando enfim chegamos à entrada do Pukará e pagamos alguns pesos, que não me lembro quanto, mas acho que fora o passeio mais barato até então, não parecia assim ser grandes coisas. Ao longo da caminhada pelo Forte, descobrimos que era uma construção do século XII, realizada para proteger o povo atacamenho de invasores de outros lugares da América do Sul, por ser um lugar estratégico em termos comerciais, principalmente por estar sobre o Rio Grande e, portanto, por gerar uma riqueza à época, via cultivo, incomparável às demais da região.

Aquele dia fazia sol e calor e quando terminamos de andar pelas ruínas, achando tudo meio sem graça frente tanta beleza já vista, sentamos e pudemos avistar São Pedro bem de longe. Eu mesma só pensava sobre tudo o que tinha lido e as guerras que por ali aconteceram, pouco mais de 700 anos antes.

Ao pegar o celular para tirar uma foto, vi que estava sem bateria. Pedi o da Amanda emprestado - sem bateria. E isso acontecera várias vezes com o meu - desligar, do nada - com o dela havia sido a primeira vez e naquele momento apenas lamentamos não podermos tirar foto, já que a máquina, mais pesada, havíamos deixado no hotel, sabendo que caminharíamos com tanta coisa no lombo.

No meio da tarde, na descida para sairmos do Pukará e pegarmos a estrada para a cidade, vimos um pessoal no alto de uma outra montanha. Sem placas ou orientação no mapa do próprio Forte, fomos andando no sentido daquela gente e achamos uma bifurcação. Começamos a subir, sem saber para onde. Seguíamos um fluxo de percepção, não de pessoas.

Sem relógio ou celular, não fazíamos ideia do tempo. Num determinado momento do caminho, avisto um casal descendo. A mulher um pouco mais à frente do homem. A mulher passou por mim. Quando ela passou pela Amanda e eu passei pelo homem, tcharam!, nos conhecíamos de São Paulo: era um casal que trabalhara na mesma consultoria que a gente.

Ufa!

Papo vai, papo vem, eles nos disseram "Subam! Vale muito a pena! A vista é demais (...)!".
Depois de falarem um pouco daquele percurso, trocamos informações sobre o que haviam feito e o que ainda fariam. Falamos do "cerrado por la nieve" - uma pena! Dentre as trocas, eles ainda não tinham ido ao Tour Astronômico e falamos bastante do frio - depois pensamos que os assustamos demais, mas melhor passarem calor (e duvido que tenham passado), do que frio - e eles nos falaram dos Flamingos - que ninguém nos tinha dito: nem os atendentes das agências, nem o gente boa da casinha de informação ao turista (mas se ele não nos avisou que dentro do Pukará tinha uma trilha para algo mais significativo, quiçá sobre passeios fora do script!).

Definitivamente empolgadas para então subir todo aquele caminho, que na verdade não acabava nunca, eu mesma pensei em desistir várias vezes:
1) Não cruzávamos com ninguém por horas - ou talvez minutos e estar sem relógio era só afobação indevida;
2) Nossa água estava acabando;
3) Precisava muito fazer xixi;
4) Não tínhamos comida;
5) Sabíamos que seria bonito, mas tínhamos dúvida se a beleza valeria a pena;
6) Queríamos desistir, mas depois pensávamos que poderíamos nos arrepender, ao chegar em São Pedro, dar um Google, e ver que era a vista mais bonita da vida!;
7) Tínhamos medo de anoitecer e ficarmos sem lanterna para voltar;
8) Mal estávamos próximas de chegar ao topo e já pensávamos que depois de subir, tínhamos que descer e caminhar os 3km até a cidade;
9) O fôlego parecia ser pouco, para tanto!

Enfim. Mar de conflito mental. Mas enquanto tínhamos dúvida, caminhávamos.

Quando eu realmente pensei em desistir, porque já desacreditava que havia qualquer fim, avistamos um garoto, descendo:
- São quatro horas da tarde. Mas em cinco minutos vocês chegam!

Pensei: "Cinco minutos? Bom, ou é cinco minutos - e sei lá como vou saber se já se passaram cinco minutos - ou vou embora!".

A Amanda disse, rindo: "Agora eu vou até o fim. Se quiser me espera aí".

Finalmente, chegamos!

Uma pena que não tenhamos registro dessa vista.

Eu ainda só pensava em controlar o xixi e a sede e a fome e o stress. E consegui desfrutar, somente depois que li numa  placa que ali, no alto de todos os desertos que já havíamos visitado - de terra, sal, neve e tudo isso misturado - havia uma cruz em homenagem a todos aqueles que foram mortos e torturados em barbáries, cujo genocídio indígena provocado por espanhóis só fora reconhecido em 1984, quando fizeram do Pukará um Monumento Nacional de valorização à vida e de reconhecimento público da história que os envergonha, mas que deve ser lembrada, para não ser repetida.

Alguns minutos depois - ou muitos minutos depois - pouco me importavam todos aqueles meus sentimentos. Me deixei levar pela emoção e energia daquela cruz, daquela história, daquelas ruínas que lá de cima pareciam amontados de pedras desorganizados, mas que guardavam vidas, embora agora todas mortas.

Não me lembro que hora chegamos, ou o que fizemos. Não registrei o tempo. Não me lembro se cansara demais. Se voltamos bem, sem medo de nos perder. Mas me lembro que adentramos São Pedro antes do anoitecer e que, definitivamente, guardava para o universo que o próximo, e último dia, fosse como todos os outros: um exímio caminhar, enquanto caminhamos.


*Não adesão à nova regra gramatical.