"A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos não é o que vemos, senão o que somos." (Fernando Pessoa)
Saindo de Boracay, o transfer me pegou às 5:15 da manhã, sendo que meu voo era às 11:25, mas considerando a canseira da vinda, optei por não questionar se não era cedo demais - aliás, sou dessas: prefiro esperar na frente do portão de embarque, do que sofrer o calor da disputa contra o relógio.
Depois de descer da van e fazer o trajeto caminhando para o "porto", entrei num barco que parecia ser menor e mais precário do que o primeiro; duvidei da segurança e me retraí, de novo, tentando ficar atenta a qualquer movimento suspeito - de alguém ou de alguma coisa.
Me sentei do lado direito, bem de frente para um homem que não sei estimar a idade, mas que estava sentado, com uma sacola plástica na mão, camiseta, bermuda e chinelo.
Uns cinco minutos depois da arrancada, me levantei, com cuidado, para não me desequilibrar, pois o sol começara a nascer amarelo-fogo e eu não poderia perder aquela foto. Dei um passo em direção ao homem, que olhou para mim e sorriu, como que se concedesse minha aproximação para capturar aquela imagem. Me sentindo à vontade, relaxei e cheguei um pouco mais perto dele; levantei o braço para enquadrar aquela cena, quando estava para clicar no botão do celular, a sacola do homem arrebentou e vi uma galinha prestes a voar em mim; mas ele foi mais rápido e a segurou pelos pés.
A galinha gritou, eu gritei, o homem gritou, o barco balançou. Eu em pé, sem saber se sentava, com as mãos trêmulas de susto, suava, ria e talvez tenha tido vontade de chorar - tudo misturado. O homem ria, muito. Sem vergonha. Gargalhava e dizia "sorry, ma'am! Sorry, ma'am!". Eu só conseguia xingá-lo, silenciosamente. Ele e a galinha. Que susto! Como a galinha estava ali e ninguém viu? Como a galinha furou a sacola? Vinha bicando desde quando? E que cacarejo foi aquele? E meu grito? Que triângulo!: a galinha, eu, o homem. Sentei. Ri. Ri muito. Perdi a foto, claro. E o homem, com o saco rasgado, segurava a galinha pelos pés e me olhava, rindo. A galinha só virava a cabeça de um lado para outro, com olhos arregalados, coitada! Será que ia para panela? O homem ria. Eu suava: o que será que diríamos um ao outro, se o homem e eu falássemos o mesmo idioma? Ri. Ri por muitas vezes e longos minutos. E mal sabia que aquele momento do barco seria o melhor do dia e que uma galinha despertaria, em mim, a certeza de que muitas vezes me dou a melhor das graças - e alegrias.
Então, sendo dia, pude ver o trajeto e admirar o verde das Filipinas, sob uma perspectiva interiorana, aparentemente, rural. Mesmo que de dentro da van, já depois de pegar o barco, consegui ver melhor como vivem e, de certa forma, me entristeci um pouco com tamanho desequilíbrio social, similar inclusive ao Brasil, ainda que numa camada mais miserável - principalmente a insegurança nos meios de transporte: tuk-tuks super lotados, motos com três ou mais passageiros e nenhuma infra-estrutura de trânsito ou sinalização de direção defensiva - aliás, dirigem como loucos, sem regras de ultrapassagem e, neste ponto, reforço rápido: aconselho fortemente que não viagem pelas Filipinas sem apoio de agência local! Seria insano transitar por todas estas baldeações - aeroportos, portos e estradas com pagamento de taxas locais, como a de terminais ou preservação ambiental - sem orientação segura (de todo modo, desconfie e sempre tente confirmar as taxas, pedindo recibo). Se tem uma coisa que me deu mais paz foi saber que a logística terrestre estava cuidada e que um mínimo de respaldo e apoio eu encontraria.
Por outro lado, a logística dos aeroportos é de dar nos nervos a qualquer monje tibetano - mas até que me saí bem e sigo aprendendo sobre o auto-controle e o lidar com as emoções em situações adversas.
Em Kalibo, por exemplo, aeroporto mais próximo de Boracay, a espera de fato foi longa: cheguei às 7:45 e o voo, para variar, ainda atrasou mais de uma hora e meia; sendo que o wi-fi só funcionava para números filipinos. Neste cenário, de novo, minha maior agonia era dar notícias, então a minha dica deste ponto é: não crie expectativas de fácil acesso à comunicação. Das observações que fiz, diria que a grande maioria local, ou quase isso, não tem smartphones e a disponibilidade de wi-fi ainda é rara - mesmo que paga e, quando funciona, a conexão é lentíssima e permite pouco consumo de dados. Naquele aeroporto, especialmente, não havia telefone público, comércio tipo "lan house", nem venda de sim cards - isso porque é aeroporto "internacional".
Depois dessa, parei de dar sorte para o azar e chegando em Manila para pegar o voo para Puerto Princesa, a primeira coisa que fiz foi providenciar um número local, com internet - coisas que geralmente não faço em viagens curtas.
Ir com o espírito aberto aos atrasos e com passagens largamente espaçadas foi outro grande pulo do gato; sério - de Manila para Puerto Princesa meu voo atrasou mais de três horas; era para eu chegar umas 20h, cheguei quase meia-noite - e estar com agenda para estas locomoções evita o stress de brigar sempre com o relógio e de lidar com eventual perda de compromissos.
Aliás, o que é a vida senão essa vontade louca de voar, até que alguém segura seu pé e você precisa esperar - ou criar - a próxima oportunidade?
Um comentário:
Isto me faz sempre pensar de que muitas vezes as maiores alegrias da vida estão na pequenas coisas, como rir de sí mesmo numa situação super inusitada com a galinha. :)
Belo texto Babi, como sempre!
Beijos.
Fábio Drumond
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