segunda-feira, 10 de novembro de 2014

A quem o câncer ensina o quê

"Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.” Paulo Freire

Em 2000, no auge dos meus quase 18 anos, eu tive o meu primeiro contato com o tal do câncer. Em meio a decidir o que prestar para o vestibular, se continuava o inglês ou se voltava para o espanhol, se tirava carteira de motorista ou se viajava; se tudo isso ao mesmo tempo, meu avô materno adoecera.

Acho que por mais dolorosa que a perda dele em Dezembro daquele ano tenha sido, eu fui entender mesmo só depois - e aos poucos.

Na minha última ida ao hospital, ele parecia um passarinho, lutando para não cochilar, querendo manter aqueles olhos ainda verdes abertos; para não perder o movimento.
Embora a braveza típica, fervorosa e presente de luta dele, nós queríamos que ele fosse descansar; sem muita consciência de que seria "para sempre". Me lembro que todos nós da família estávamos desgastados, no questionamento do "por que ele? Por que ele?".

Com o tempo, aprendi a saber lidar com a falta, aprendi a apoiar (principalmente a minha mãe), a (parecermos) estarmos firmes e amorosos para acolhermos nossa avó, re-estruturarmos a família e os eventos festivos. Tudo seria diferente. Ou, nada mais seria igual.

Sete anos depois eu estava me mudando para São Paulo, quando em meio a essa novidade de morar sozinha, mudar de vida, encarar desafios mundanos fora do conforto; uma tia muito querida, muito muito muito,  havia sido diagnosticada com essa doença que, dentre vários identificadores, é conhecida como "covarde".

Com a Tia Lia não foi muito diferente, mas eu já me sentia um pouco 'mais vivida' e, aos 23 anos, tive mais consciência da luta, da dor, do amor, do despreparo que temos da vida, quando ela se ameaça morte.

Foram momentos também muito difíceis e acho que o que aprendemos foi um sofrimento profundo de uma dor que não se justificava nem se explicava por nada. Comparávamos, quase que sem perceber, da diferença do "por que ela? por que ela?", que diferentemente do meu avô, tinha uma vida inteira pela frente e deixava um filho amado de onze anos.

Naquele momento, aprendi a amar, simplesmente; a criar a consciência de que devemos viver a vida mesmo, como se não houvesse amanhã; sem apologia à irresponsabilidade, mas a tudo o que é verdadeiro. Ao que vale a pena. Ao que você descobre e vive enquanto caminha. 

Este ano, 2014, fui acometida por uma notícia que chegou avassaladora. Uma amiga, em princípio grávida de dois meses,  foi "diagnosticada com Doença Gestacional Trofoblástica – ou Gravidez Molar (...). Fez quimioterapia de Maio a Agosto(/2014) e atualmente aguarda (ansiosamente) a remissão completa" - saibam mais aqui.

Ao longo dos (aparentemente) intermináveis e cansativos dias (e meses) de tratamento, ela agradecia muito e a todos, até que quando ela fez 30 anos, parei mesmo para agradecê-la: agradeci por ter aceitado a mensagem de Deus. 

Mobilizei uma corrente, uma (in)finidade de pessoas e passei a enxergar tudo de uma maneira diferente, de novo, 'refazendo e retocando o sonho', sem deixar que ele por isso não existisse. Re-priorizei meus valores. Conheci muitas e muitas pessoas que vivem essa ou outra luta. Avôs, tios, Pais. Filhos. Irmãos. "Por que só com o vizinho pode, ou com aquele sujeito distante, amigo do amigo do amigo do amigo?". E aí uma amiga me diz 'por que não eu, ou você? Por que sempre o outro?'.

Re-signifiquei a vida. Inverti a lógica do quem ensina e quem aprende. Aprendi a admirar estes bravos guerreiros que se puseram dispostos a nos ensinar, do jeito mais torto e mais doloroso, a amarmos sem julgamentos. A nos permitir a vulnerabilidade, a crença da força da fé e a aproveitar essa beleza que a vida é.

P, eu sei que você disse 'para mim' que 'Eu posso até tê-la ensinado questões no trabalho, mas ela me ensinou sobre a vida'. 

Nesse capítulo dessa nossa jornada, vitoriosa, graças a Deus, aberta a um lindo e radiante recomeço, a verdade disso tudo é que "Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender”. Paulo Freire.

Thank you!

E a todos aqueles que mais do que entendem, sentem isso tudo, mantenhamos a tradição: 'Hey, câncer, vai tomar no cu!'.

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Eleições 2014

Sempre que pego táxi em São Paulo, logo depois de sugerir um caminho para onde vou, pergunto:
- Moço [ou Moça], em quem você vai votar?

A cada 10 taxistas, uns 7 têm exatamente este fluxo de resposta:
- Não sei.
- Mas nem para Presidente?
- Não. Aí tá lascado [confuso. Complicado. Pobremático].
- E para Governador?
- ‘Cê sabe que nem sei quem tá na disputa?
- Os mais cotados são Alckmin, Skaf ou [Alexandre] Padilha.
- Ah. Então deve ser no Alckmin. Sei não.

Numa dessas, um taxista me deixou perplexa.
- Moço, em quem você vai votar?
- Não sei. Tá uma canalhice só.
- Como assim?
- Tiraram o Maluf!
- Oi?
- O único cara que eu ia votar, o Maluf, vieram com esses papo e deram um jeito de bloquear a candidatura dele.
Silêncio.
Buzina.
Freada brusca.
- Sim, mas e para Presidente, ou Governador?
- Também não sei, moça! Na época do Maluf, eu podia andar armado, a gente tava ligado com a Rota. Polícia chegava junto com bandido, mas não afetava taxista. Hoje você sai sozinha na rua?
[Perplexa] – Muito pouco (mentira).
- Pois é. Na época do Maluf tudo podia. Não dava nada não. A Rota funcionava. E outra coisa...
Respiro, tensa.
- Hm.
- ... Eu sou a favor é do Collor!
- Quê?
- Para Presidente!: O Collor! E você votaria nele também que eu sei. As mulheres gostam dele. É bonitão! Não é da sua época né?
- É, é sim.  E minha família penou muito na...
- ... penou nada! Isso que falam de congelamento é mentira! Mensalão é muito pior! Mensalão não congela mas rouba, e aí?
- E o Maluf?
- O que tem o Maluf?
- Uai, se for assim, “ele não congela, mas rouba", e aí?
- [Olhando bravo pelo retrovisor] Minha filha, o Brasil não melhora por isso. Você não sabe. Vou te falar. O Maluf foi a melhor coisa na história de São Paulo! E você não é daqui né?
- Não.
- Então. Pois vou te contar. Na época do Maluf...

Juro para vocês, gente. Ensurdeci. Comecei a conversar comigo mesma, pensar numas músicas, olhar para o trânsito. Senti uma coisa tão estranha, ruim, pesada. Medo.

Mas enfim. Queria saber do Ibope, Data Folha e etc, como seriam as prévias a partir deste cidadão e das (muitas) pessoas que concordam com ele: “para mais, ou para menos”.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Não foi na Copa, mas poderia ter sido

Conversa no salão, peguei pela metade, mas "só sei que foi assim":

[A manicure]: 'Cê num tem esse aplicativo?
[A cliente]: Não.
- Menina, é ótimo!
- Chegando em casa vou pedir para minha filha baixar.
- Que nada. Vê aí ó. É facin
- Hm.
- Entra no pré-istori.
- Como? Pré-história?
- Isso.
- Uai, mas o meu não tem isso. Tem que baixar também?
- Hm [pára de cutucar a unha]; deixa eu ver. Vira pra mim seu celular.
[A cliente vira].
- Ixi. Embananô. Agora também não sei onde o seu. É diferente do meu.
- Ah, pode deixar. Depois peço para minha filha.
- Ah, que pena. Ele é ótimo! Você tem esse joguinho e muitas outras coisas.
- Interessante, não conhecia.
[Silêncio no salão, aos sons dos secadores e do mi-mi-mi].

Passa o tempo, a cliente vai embora. Eu continuo sentada na minha cadeira.

[Outra manicure]: Ô Érica! O que você tava querendo falar pra Dona não era play-store não?
[Todas riem e Érica gargalha].
- Gente menina! ' lembrou e não falou nada?
- [rindo muito] Mas Érica, como ia te corrigir na frente dela? 
- Não é corrigir, é explicar melhor o prey-stóri.


terça-feira, 29 de julho de 2014

"Esse Brasil que canta e é Feliz. Feliiiiz. Feeee-liiiiiz".

Há pouco mais de cinco anos e quatro meses, eu escrevi sobre a reunião de alguns brasileiros na Líbia regada a vatapá e caruru e de como éramos felizes fazendo limonada com os limões que tínhamos.

Neste fim de semana, muito se repetiu; exceto pelo fato de estarmos em São Paulo, quando as crianças daquela época apareceram moços e moças; os jovens trainees ("JPS") muitos deles, gerentes, e os cabeças-brancas já carecas - ou eu, ainda com um cabelão, com mechas grisalhas.

Cinco anos se passaram de lá pra cá e quatro desde que voltei. Voltas mesmo foi o mundo que deu e quase parou no mesmo lugar.

As conversas, talvez mais sóbrias; a cerveja já com álcool, a vizinhança brasileira, a comodidade de ir e vir, os celulares trocando a localização da casa do "Engenheiro Baiano" e as fotos daquele noite-dia, dia-noite, noite-dia.

Sim, recordar é viver; é sentir-se vivo. Muitos fora da organização que nos uniu, mas mantidos por uma história inseparável. 

Na rede social já muito utilizada, grande parte da legenda das fotos compartilhadas era "sobreviventes da Líbia". Sobrevivemos. Resignificamos a família, a distância, o lazer, o paladar.

As pessoas tornaram possíveis as coisas. Viraram feitos. Nem todos perfeitos. Nem sempre o lugar importa. Talvez pouco importe o lugar.

História. Memória. Caminho. 

Saravá!

terça-feira, 24 de junho de 2014

Tentando tomar cerveja* - Na Copa

*escrito tal como se pronunciaria.

- Oi Moço, tudo bem? 
(ele sorri, em silêncio).
- Bom, me vê uma Baden-Vais, por favor?
- Acho que não tem.
- Você acha ou tem certeza?
- Eu acho.
- E tem como você verificar, por favor?.
- Tem sim! 
(e se mantém em pé, com o bloco de notas em mãos).
- Ok, pode ir lá então.
- Algo mais?
- Por enquanto não, depende do que você me trouxer como resposta.
- Hm?
- Nada mais, obrigada.
(5 minutos depois).
- Senhora?!, só tem long neck, pode ser?
- Baden long neck?
- Isso!
- Ué, estranho. Não conhecia. 
(...)
- Legal, pode trazer então. Mas traz duas, porque ia pedir 1 Baden e dois copos, mas sendo long neck...
- Ok. Algo mais?
- Moço, desculpa. Mas você tem certeza?
- Tenho, senhora!
- A Bãdi de 600 acabou.
- Bãdi?
- Isso. A Bãdi Uais.
- Ahhhh (risos infinitos!). Não moço! Eu não pedi a Bud-Weiser. Pedi a Baden-Weiss. Essa aqui ó (mostro o cardápio e aponto). Código 107.
- Ahhhh tá, é que é a mesma coisa né?
(risos abdominais).
- Não moço, não é.
- Vou lá ver se tem tá?
- (rindo) Tá.
(outros 5 minutos, bloquinho de notas na  mão).
- Oi senhora! Não tem essa também não. Nem a de 600.
(...).



quarta-feira, 28 de maio de 2014

Ode horaciana à vida

Tudo parece ter importância e peso diferente
O vento já não é mais vento
É o carinho no rosto
A poeira da rua
O prenúncio do chá quente.

O tempo dura para tudo e para as pequenas coisas
Para as coisas pequenas
Pára o relógio das pessoas grandes
Diz quem é mesmo o dono de quem
E ressoa naquele vento o Amém. 

Tudo parece pouco
Tudo pesa como muito
Cada pouco vem como um louco
A cada apito daquele trem,
É mais um que invém. 

O vento é um carinho no rosto
A vida inclui a morte
A vida é viver
Cada segundo pelo seu rosto
Amor amado talvez nunca pôsto.


quinta-feira, 24 de abril de 2014

A (tal da) objetividade - Parte II

Meninas no bar:
[três já estão sentadas, tomando uma cerveja]: Gente, esse casamento da Belinha vai ser T-O-P!
[todas]: Uhuuuul.
[ela]: Vocês viram a prévia do vestido? 
[uma]: Mentiraaaa. Por que você viu??
[ela]: Sou madrinha, né bem?!
[outra]: Falando em ser madrinha, o que vocês vão dar de presente?
[ela]: Ah eu não sei, mas vou dar à parte tá? Nada de dividir.
[uma]: Hm, diferente!
[ela]: Não, gente. Meus pais vão, o Mário vai, outra pegada, né?
[uma]: Tá. E o que mais você sabe? 
[ela]: Champagne, banda, DJ, uma mesa mará de frios (...).
[outra]: Ai meu Deus! E vestido pra esse chiquetê?
[uma outra]: Cabelo, maquiagem (...).
[Ela]: E não se esqueçam do chá-bar e da despedida, hein? Temos que fazer algo muito divertido!
[outra]: Ahimmm. To meio mal das pernas, dá pra pular alguma dessas coisas?
[uma]: Ah... Despedida podemos fazer em algum lugar que não pague entrada, por exemplo.
[Ela]: Ah, gente. Não me venham com economia porca!
Silêncio aos goles da cerveja.
[uma outra]: O chá-bar vai todo mundo? Como é que é?
[outra]: Ah gente, pára. Nem é a gente que vai casar!
[Ela]: Deixa comigo. To suuuuuper próxima à Belinha e o Mário também ao Lipe. Não se preocupem, girls.
[Uma]: Verdade! O importante é aproveitarmos ao máximo. Um brinde à Belinhaaaaaa.
[Todas]: Uhuuuuu!


Meninos no bar:
[três já sentados, tomando uma cerveja]:
[ele]: Hein, galera, precisamos fazer algo pra despedida do Lipe. Strip?
Riem e bebem.
[um]: Mas qual vai ser? Mulherio ou nem? 
[ele]: Ah sei lá cara. Campeonato de poker com uns "brindes" no final?
[todos]: Boaaaaa!
[Ele]: Não, sério galera. Ele 'tá stressadaço com tanta coisa. Esses dias tava puto de olhar orçamento daqueles papeizinhos que vão debaixo dos docinhos, sabem?
[outro]: ha-ha. Zuou que se cobra pra'quela merda?
[Ele]: E caro, velho! Parece que teve um que disse que cada papelzinho era oito reais!
[Um outro]: Tá loko. Só imbecil pra pagar. Galera vai estar trêbada, não vai nem ver papel e se alguém perceber, amassa e joga fora. 
Silêncio. Bebem.
[Ele]. É meu irmão, tá achando que casar é fácil? 
[Outro]: Fácil eu não sei, mas que é caro, eu já percebi.
[Ele]: Que se f*da também. Não é muito um assunto nosso. Pensemos nas bebidas.
[Um]: De fato, ao que interessa: Sabe se vai ter whisky?

quarta-feira, 9 de abril de 2014

A (tal da) objetividade - Parte I

Meninas no bar:
[três já estão sentadas, tomando uma cerveja, quando uma chega, esbaforida, jogando a chave do carro na mesa, cumprimentando sem perceber, e enfim, desabafa]: Gente! O pai da Aninha morreu!
[todas]: Quêêêêê? Como assim?? Calma, explica, tudo, falaaaa.
[ela]: Assim, gente! Também não sei direito. Ele tava mal. 
[uma]: Mal de quê?
[ela]: Então. Segunda-feira ele estava mal.
[outra]: Mas sentindo o quê exatamente?
[ela]: Então, não sei exatamente o que ele sentia. Sei que na Segunda-feira ele foi no Hospital, o médico falou que era um mal-estar e medicou. Ele foi pra casa.
[uma outra]: Como assim, "foi pra casa?". Que médico irresponsável! Eu processava. Que absurdo!
[ela]: Não, então gente, calma (e finalmente deu uma golada na cerveja). Aí na quarta-feira ele voltou ao hospital, porque a medicação não tinha dado efeito.
[uma]: E aí??
[ela]: Aí que não diagnosticaram nada, falaram em cansaço, para ele desacelerar.
[outra]: Ai meu Deus! E não fizeram exame não? Isso é coraçãããão!
[uma outra]: Gente, isso é um absurdo, tô cho-ca-da!
[Ela]: Pois é gente. Aí ele não acordou bem. Mas parece que morreu antes de chegar ao hospital!
[outra]: Tô passada! Eu processava. Isso é um absurdo! 
[uma]: Mas e a Aninha, como ela 'tá? Você falou com ela?
[Ela]: Ah, gente. Daquele jeito né? Só chora, não se conforma. Muita dor.
Silêncio aos goles da cerveja.
[outra]: Depois vou ligar pra ela. Que foda!
[uma outra]: É isso né? Pra morrer, basta estar vivo!
[As outras três]: Credo! Que horror!
[Ela]: Ai gente! Vamos parar de falar nisso? Tô um caco! Vamos falar de alguma coisa boa?
[Uma]: Vamoooos! Casamento da Belinhaaaaaaa.


Meninos no bar:
[três já sentados, tomando uma cerveja, quando chega um, já puxando a cadeira para sentar]:
[ele]: Falaê, galera! bom? Amigô, me vê um copo aqui por favor?
Ele se serve e brindam.
[um]: E aí? Que que rolou que você não foi na pelada hoje?
[ele]: Putz, cara, pois é. O pai da Aninha morreu, fiquei dando uma força pra ela.
[todos]: Porra, que foda hein?
[Ele]: Muito!
[outro]: Mas morreu do quê?
[Ele]: Cara, sabe que não sei. Não entendi direito. Parece que passou mal e pá. Apagou.
[Um outro]: Ahhh, deve ter sido o coração. Pra morrer assim de repente, só pode ter sido de coração.
Silêncio. Bebem.
[Ele]. Mas então porra! Vão falar quem ganhou hoje ou como é que é?
Riem e pedem mais uma.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Carta aberta à TAM

"Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho. Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas". Abraham Lincoln

Eu estava bem feliz no Domingo 23 de Março, porque depois de muito tempo fazendo bate-voltas de ônibus até BH, por causa dos preços abusivos das passagens aéreas, mesmo tentando comprar com antecedência, naquele fim de semana voltaria tranquila, dormiria cedo e na 2a.feira voltaria equilibradamente aos exercícios matinais, após lindos momentos c'as amigas: mas que nada!

Meu vôo estava previsto para sair de Confins às 20:38 e como havia interrupções na pista a caminho do aeroporto, por causa da (imagina) Copa, cheguei correndo e quando finalmente passei pelo raio-X e conferi o painel de informações, lá estava: "TAM JJ3321 CNF - CGH atrasado". Sem saber a previsão do portão, andei por ali. Bebi uma água. Sentei na cadeira e abri meu livro. Os minutos passaram, levantei, e fui até outro painel e, que alegria, havia novidades. Agora o "atrasado" estava "previsão 21:45 - portão 8". Senti dúvida; fiquei sem saber se deveria estar feliz por haver uma previsão ou se desanimada por não chegar tão cedo assim em casa. 

Minha reflexão foi interrompida por um grito:
- Isso aqui é palhaçada, né? Só pode ser piada!
[Atendente]: Não senhora, não estamos de brincadeira. Essa é a informação que nós temos.
["Senhora" que na verdade é uma moça de menos de 40 anos, bonita, com uma criança de colo, no colo. Aos berros!]: Eu não quero saber! Então quer dizer que se o avião quebra, e aí?**

A partir daí o atraso ficou super interessante e, então, TAM, eu tenho algo para te dizer: Sinto muito por aquela mulher e por todos os outros que vieram embalados pela fúria dela e se uniram em prol do desrespeito. Eu realmente entendo ambos os lados, inclusive estava do mesmo lado do balcão que ela, mas o meu entendimento é:  Gritar não resolve e cuspir na cara do atendente também não - a não ser que fosse uma espécie de pó-de-pirlimpimpim.

O que me assustou na cena, que levou exatamente três horas, até que enfim embarcássemos, foram as palavras que ela usava, liderando 90% dos passageiros a quase "quebrar tudo", como se o avião então pousasse por isso, como se resolvesse:

[Ela]: Meu filho (para o atendente, não para a menininha no colo dela), eu paguei [gritando] mil reais por essa passagem. M-i-l-R-E-A-I-S*, você sabe o que significa isso? Eu vou processar a TAM e você. Você mente! Tem 1hora que você falou que o avião (...). 

Eu sentei. Observava. Tive vontade de convidá-la para um café. Depois tive vontade de abraçar o garoto - era um garoto no balcão de vocês, Tam. Ele tremia. Chamou o supervisor. Depois chamou mais dois colegas. Em duas horas de agonia eram quatro da TAM contra uma mulher e meia dúzia de baderneiros que falavam, como figurantes em novela, "isso aí! É uma absurdo. Se vira! Foda-se o seu! Seu bosta (...)".

TAM, eu passei todo aquele tempo, a duração do vôo, o caminho do taxi de Guarulhos até minha casa (vou pedir reembolso a vocês, ok? Afinal, comprei o meu vôo  para CGH [Congonhas]), alguns bons minutos tentando me acalmar até dormir, pensando nas pessoas que trabalham por você, para vocês e que mantiveram a postura através de mantras que ecoaram na minha cabeça até agora, três dias depois, em que aquela energia (ruim) ainda grita na minha cabeça: "Não existe estrutura". "Operamos no limite". "Não há o que fazer, senhora". "Isso é tudo o que eu sei, Senhora".

Isto posto, decidi compartilhar com vocês que por pior que tenha sido ficar três horas esperando e que por isso eu tenha gastado mais dinheiro (taxi), cansaço e não ter começado "bem" a 2a.feira, já que fui dormir mais de 2h da manhã, aquele garoto no balcão de vocês, para mim, se esforçou (e diria que conseguiu) o que vocês pregam na Política de Gestão de Pessoas: "(...) Na verdade, a surpresa dos passageiros com a qualidade do atendimento é apenas o reflexo da união entre os funcionários da empresa, os quais, conscientizados, sabem que na busca do ótimo não se faz o bom. Temos sim, feito o bom, o possível e o necessário diariamente. Longe de abandonarmos a idéia do ótimo, estamos nos concentrando naquilo que, sob nosso comando, podemos e devemos perseguir para provocar a satisfação dos usuários."

Certamente os black-blocks daquele dia não vão concordar comigo e vão processá-la, TAM. Mas ao me distanciar daquilo tudo eu realmente vi quatro pessoas exercitando o espírito de servir para fazer o que tinha que ser feito; infelizmente, não poderiam se transformar numa aeronave; nem interferir nas decisões da Anac ou Infraero. Certamente, também, nada disso aqui resolve, eu acho. E embora isso não seja de fato tudo o que queria te dizer, TAM, por favor, não abandone a ideia do ótimo, mesmo que muitas pessoas não mereçam isso.

Atenciosamente,

*Eu não paguei isso tudo. Aliás, jamais pagaria!
**Não foi esse o caso. O trecho era Belém-Brasília-Confins-SP/Congonhas. Mas o aeroporto de Belém ficou fechado por duas horas por questões meteorológicas e os atrasos seguiram em cadeia. O questionamento é válido: se fosse uma pane mecânica os voos então seriam cancelados, já que não há possibilidades de reposição. O que não vale é quase bater, né?

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Votos do Coração

"O sacramento desta união é o amor".

Foi assim que começou uma das cerimônias mais bonitas que já participei. Ele estava lá em cima, nervoso e feliz. Estávamos embaixo, nervosas e felizes. Era uma expectativa quase que incomum, mas ao mesmo tempo, não era não.

Dentre as movimentações de várias pessoas, vi cinco mulheres com um lindo buquê e cada uma enfeitada com um vestido branco-perolado. Arranjo no cabelo. Sorriso aberto. Delicadeza e pura beleza.

Não vi o outro e isto me agoniava um pouco. Sentia um suor que não escorria, um calor seco. Quando vi o pai de um, conversando com a mãe do outro, e a correria passou a ser passos lentos e arrumações para o cortejo, tranquilizei de vez e senti "agora vai".

A música começou, mas eu travei. Não me lembro hoje qual era a primeira. 

Ele veio, lindo, com o cabelo para trás e uma gravata verde-esmeralda, ao que me pareceu. Do lado esquerdo, a mãe. Do direito, o pai. Os passos encontraram a escada e ali eu estava. A vontade era interromper o protocolo, abraçar e gritar um "parabéns por escolher ser feliz!". Depois dos degraus, passou por todos e encontrou o altar. Ficou de costas. Na batida suave da próxima música, o outro apareceu, tremendo. Senti as pernas dele fracas e o coração pulsando forte; jorrando a energia para tudo e todos. As lágrimas naturalmente escorreram e as bocas se abriram, alargaram e riram, e comemoraram. E tudo aquilo era um só coração.

Pelas escadas, os pais desceram emocionados e então o conduziu até o altar. Que lindo  o encontro dos seis. Naquela altura, soluçava e pegava o terceiro lenço.

Embalados por palavras sinceras sobre o amor, trocaram votos de toda a trajetória até aquele dia e puderam dizer "sim" para o amor abençoar. Estavam iluminados por velas que jamais pareciam se apagar.

Fica a minha gratidão por ter experimentado tamanha sinceridade enquanto a realização de um sonho e, principalmente, a força e a magia das possibilidades.

"(...) São visões abertas
Certas despertas pra luz
A emoção alerta
Que nos conduz (...)
São pontos de vista
Uma conquista comum
O mesmo pé na estrada
De cada um(...)".
Bruna Caram

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Impressões e Sensações - Parte III: O último não é o final

O curioso e dolorido prazer de resgatar experiências registradas pela memória dos sentidos.


"The real voyage of discovery consists not in seeking new landscapes, but in having new eyes". Marcel Proust 



Orlando.
Trinta minutos depois do Neil ter me deixado no Hotel (what a weird feeling), meu ônibus passou. E estranhamente embarquei, deixando a incerteza para trás - e pra frente, mas ainda dentro de mim. 

A estada na cidade dos parques foi breve: praticamente um dia na Disney, com muita emoção e diversão. Depois segui para Savannah, de volta ao "velho" jeito: Problema logístico, gastança de dinheiro com hotel - rodoviária - bagagem.
Continuei falando com o Neil por mensagens via celular e pensava muito nele. Quase sempre. Toda hora. Quando me atentava ao presente, percebia que não entendia o inglês dos Bronx e, na parada em Jackson Village, perdi o ônibus. Foi a sensação mais angustiante até então: mais do que passar pelos becos em NY. Na parada o motorista pediu para descermos sem as bagagens e entregou para cada passageiro uma etiqueta com um  número geral. Segundo ele, em algum momento, alguém da empresa gritaria o tal número e embarcaríamos novamente. Nunca ouvi esse grito e como não apareci, o ônibus simplesmente arrancou. O desespero e a vontade de chorar bloquearam meu cérebro. Eu olhava para os lados e não conseguia enxergar nada. Quando tudo passou (yeap! Tudo passa!), achei graça e acreditei em Deus e São Longuinho de que minha mala estaria salva quando eu chegasse em Savannah, no próximo ônibus. Aprendizado disso? Keel's: "Whenever you think you are basically right, you are most probably wrong", somado a "Paying attention pays these days".

Em SAVANNAH, os dias não foram excepcionais, até porque cheguei na "estação" e minha mala estava lá, mas sem rodas e sem meu casaco rosa (que além de me proteger tinha valor sentimental). Com meu humor cada vez pior (nem Keel me salvaria mais), não havia taxi e saí arrastando a mala, agora capenga, até que aparecesse um pela rua. Uma boa alma apareceu e, depois que entrei e disse o destino, ele sorriu e delicadamente disse que eu estava indo em sentido oposto, besides, meu destino era longe - oh God!
E era. Naquele momento, eu achei que "nunca mais" pararia de gastar tanto dinheiro e assumi que estava pagando pela minha paz e tranquilidade psicológica, na fé de que Deus estava cuidando da espiritual. Com essa sensação de que havia começado tudo errado naquela cidade, comi um sanduíche próximo ao hotel e fiquei por lá. Os dois dias seguintes me levaram às mesmas ruas e frustrações, como há algumas semanas não sentia e, mais uma vez, tal como em Boston sem hospedagem, ou em Nova York em pleno Halem, tudo o que eu queria era ir embora para casa. Tenho vagas lembranças de Savannah, mas vaga estava eu.

A viagem até ATLANTA foi cansativa, o ônibus estava lotado, havia muita falação e meu Ipod estava sem funcionar desde a primeira noite em Savannah, quando resolvi organizar minhas músicas e limpar o lixo alheio que se aglomera em festas estranhas, com pessoas esquisitas - e folgadas.
A moça do meu lado parecia ter a minha idade, tentou puxar papo, mas eu realmente não estava nem um pouco interessada em conversar; nem mesmo quando ela me disse que havia pesquisado um Projeto em Bambuí, interior de Minas Gerais, sobre Saúde Pública, que complementaria a tese do curso dela.
Como toda chegada, estava ansiosa, frágil e insegura. Em Atlanta não foi diferente: quanto mais o ônibus andava pelas largas avenidas, mais eu temia não saber a exata localização para meu desembarque. Mais adiante, descobri que teria uma das melhores vistas da cidade e meu coração enfim se acalmou: museu da Coca-Cola, Georgia Aquarium (o dia em que os Pandas quase perdem um espaço no meu coração para os Golfinhos), Parque Olímpico, CNN e Andrew Street, com algumas opções de restaurantes, como o Hard Rock Cafe. Perto dali, ainda, pude ir ao Underground, mas não me prendeu por mais que 15 minutos. 

Foi em Atlanta que tomei o legítimo café da manhã americano, aliás, declinei do pedido depois que vi a mesa do lado sendo servida com panquecas, ovos, bacon, salsicha, waffle e etc. Quando declinei, disse à garçonete "por favor, quero só um café puro, sem chantilly e um pão com manteiga, ie: a toast". Ela disse "ah senhorita, I'm sorry, mas isso não tenho". Falei "frutas?". Ela "Ah sim, milkshake de morango". Me diverti na simplicidade da comunicação e no fim expliquei: "está vendo aquela xícara? Pois então, me veja uma só com café. E vê aqueles pães (apontei para os toasts - pães de forma torrados)? Pois então, quero só aquilo. Sem mel, Nutella ou pasta de amendoim". Ela trouxe, algum tempo depois, mas de certo, nem ela nem a cozinha entenderam. A mesa do lado então, já toda lambuzada de alegria pela comilança, me deu um "hi" que mais parecia um convite ao deleite. Dei "hi back" e eles também não entenderam.

No último dia, tentando ir ao Fernbanl Museum, conheci outra parte de Atlanta, me perdi e caminhei por lindos bosques (essa foi super divertida!); experimentei McDonald's pela primeira vez naquele país para saber se era diferente mesmo - e o quão-no-quê exatamente - 
cansei e já às 17h decidi voltar, de onde não tinha ido. Mas foi um dia super leve e agradável. Me reconectei.

À noite, arrumei minhas coisas, descansei, assisti Friends por horas incalculáveis  e agradeci por aquela experiência solitária, pela superação das dificuldades, 
sem qualquer problema grave que me fizesse de fato estar preocupada para os momentos finais daquela etapa de vida: participar da formatura da Te em BUFFALO e passar com ela, Ola e Nana, 10 dias entre Las Vegas, Los Angeles e São Francisco, numa road tripEntre o céu e a terra há quem saiba que este propósito me apresentaria algum sentido; belo e único. Mais do que me perder, fui por ali me encontrar.  

Neil e eu ainda nos falamos, bem menos, raríssimas vezes, uma por ano, quiçá, mas com muito carinho e uma provável vontade de nos vermos de novo, saber como tudo anda.
Estes dias fui correr e para ouvir minhas músicas - agora limpas - peguei o porta-dólares para guardar o Ipod (o mesmo! Voltou a funcionar logo depois do súbito) e dentro dele estava o guardanapo com o telefone do Neil. Só este não voou, nem se deixou levar.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Impressões e Sensações - Parte II

"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu (...). O mundo na TV é lindo, mas serve para pouca coisa. É preciso questionar o que se aprendeu. É preciso ir tocá-lo". Amyr Klink

Williamsburg.
Também de taxi, cheguei para fazer check in no hotel - confortável. A partir daquele destino, decidi não escolher mais hostelspelo menos não sozinha. Já era início de noite. Conversei com minha mãe por skype (a benção mais preciosa dessa minha vida!), desci até o pub dentro do próprio hotel, pedi a clássica e imbatível Ceaser Salad para então dormir.
Os dois dias seguintes foram mágicos e de volta ao passado: mais precisamente, século XVII. A estadia (linda!) me fez recuperar o fôlego. Meu lugar preferido naquele burgo é a casa dos Rockfeller que virou museu: um sossego de paz! Jardins infinitos e parreiras aconchegantes. Sentar debaixo delas me resgatou uma espécie de crença nas possibilidades mundanas. Andar pelas vielas, compartilhando de uma alimentação totalmente orgânica, vendo aquelas mulheres e crianças em trajes típicos, os homens em seus cavalos, os castelos sem esperar qualquer evento de guerra: mais uma vez, a experiência me ensinava mais do que as aulas de História. 

No último dia já tinha visto tudo e até dar uma corrida eu dei, depois de longas semanas. Foi nesta cidade que o novo CD do Teatro Mágico, A Sociedade do Espetáculo, me embalou com muita poesia e energia boa de que as coisas dariam certo. E foi nesta atmosfera que conversei com a Paula por três horas, sobre tudo, principalmente, de abrirmos um negócio e sermos felizes - engraçado que eu abri - ela hoje se constrói por si e em si mesma -  mas não estamos juntas. E estamos felizes - I guess!.
No dia seguinte, cheguei cedo até a rodoviária como tinha (erroneamente) sugerido a recepcionista do hotel, porque ela só abriria dali há 1 hora. Mesmo depois de aberta, não havia qualquer informação sobre meu ônibus e o que tentei conseguir me foi muito mal dada. Graças a Deus, após uns 15 minutos além do horário previsto, o ônibus chegou e segui até Virginia Beach.

Virginia Beach.
Ali, ao longo dos sete dias de chuva, andei de bicicleta, li um pouco mais das Confissões de Santo Agostinho, dormi, vi filmes, me alimentei muito bem - quase que "pela primeira vez, em muito tempo!" - experimentei vinhos da Califórnia e comecei a concordar com a minha mãe de que a vida na praia não deve ser nada mal - e eu pouco sabia da maravilhosa experiência que me aguardava em Miami. Inclusive, antes de chegar até lá, ainda no aeroporto de Norfolk, vivi a primeira chatice dos vôos internos: minha mala estava 100 pounds acima do permitido e por isso paguei 90 dólares de multa + 25.00 pelo despacho.  Com esta, perdi o apetite e quase o humor. Mas foi em Virginia Beach que conheci um cara que vibrou quando eu disse que eu era do Brasil, porque ele havia estado no Caribe há uma semana. Até hoje tento entender como uma coisa tinha a ver com a outra e passei a rir, muito, de todas as confusões geográficas que faz aquele povo, ao invés de criticar simplesmente pela crítica do erro.
Já no aeroporto de MIA, enquanto esperava o Meet, decidi então me alimentar. Dois chopps e um sanduíche que quase acabou sendo pão com queijo: a carne não me aparentou bom estado. Já pagando a conta, conheci, sem querer, um tal de Dom. Quarenta e poucos anos. Conversamos por ótimos 15 minutos; ele havia perdido um voo e achou que eu também estava no mesmo. Ele era Executivo (segundo ele mesmo) forte na 2a. maior empresa de gestão de marca do mundo e mora no Canadá. Ficou de me escrever para mantermos contato e isso me deu uma ótima perspectiva de se tornar uma proposta de trabalho; mas o email dele nunca chegou e preferi pensar que ele perdeu o guardanapo. Sem querer.

Miami
Enfim o Meet chegou e comemoramos como se tivéssemos nos visto há poucos dias e não há quase quatro anos, tal como com a Jess, naquele restaurante no Soho, em Nova York. Pegamos um taxi e assim que chegamos no hostel um cara muito gato já nos convidava para uma festa. Entrei no quarto (misto), passei desodorante, troquei o jeans por uma calça preta-pescador e o tênis por um sapato. Uma maquiagem rápida e básica e lá estávamos num pub, ponto de encontro para a festa. Depois de duas cervejas, Cookie, o moreno espetacular, alto, bronzeado naturalmente, de olhos amarelos e barba por fazer, muito rente a pele, fez sinal em direção à saída do pub. Passando pela porta, lá estava ele sorrindo largamente, como que para um comercial de pasta de dente, em frente a uma limousine preta, alta, gigante e iluminada, nos esperando para nos levar a uma boate top de Miami Beach e, confesso, me sentia uma pop starEntramos por uma fila paralela VIP, que não tinha ninguém na nossa frente e ali dentro estava um mundo por mim desconhecido. A pista, a música e o êxtase natural da alegria nos arrastou até altas horas, quando Cookie decidiu nos levar para um (outro) pub, dessa vez, a pé: foi láque conheci o Neil.

Perdemos o dia seguinte por dormirmos até tarde e pelo cair sereno da chuva, mas tão logo o sol se pôs, saímos para outra boate tão 
impressionantemente mais glamourosa que a a outra que não consegui ficar por duas horas: era muito luxo para meu estilo de vida e diversão: a cerveja, pequena, um pouco mais de 200ml custava 14 dólares e o público insanamente bêbado e nada empático. No domingo, fizemos check-out e comemos em um restaurante legitimamente Indiano. Foi muito querido da parte do Meet me explicar o hábito e tudo o que vem com ele e, surpreendentemente, achei o sabor excelente: "no spicy"!

Por causa do Neil e otras cositas más, decidi ficar pra'lém dos três dias. Meet se despediu de mim como se fôssemos nos ver dali alguns dias, e a semana seguiu perfeita: passei um dia em Everglades -  sim, segurei um filhote de jacaré! - jantei com a Lorena e nesta noite experimentei o inesquecível Irish-car-bomb, deixando o garçom estupefato e incrédulo, por mais que repetisse "Estoy en vacaciones. No dirijo. No hay trabajo mañana" e noites agradáveis como esta se repetiram não só com ela, mas também com a mãe e uma tia: foi com ela que conheci a Lincohn road.
No dia seguinte, peguei um ônibus (estava com saudade) e fui até Key West me revitalizar com a bela paisagem caribenha e toda a energia única daquele clima, das praias e dos resorts luxuosíssimos! Conheci uma mexicana, mais nova do que eu, acho que tinha uns 24 anos, e que também viajava sozinha. Ela sim estava de vacaciones. Há dois anos trabalhava para uma Indústria Multinacional do Tabaco e no fechamento de avaliação do processo dela como trainee, recebeu, além de uma generosa promoção, o convite para trabalhar na Dinamarca. Para comemorar, optou por momentos calientes, antes do frio europeu. Me identifiquei muito com ela e, dessa vez, fui eu quem perdi o guardanapo: realmente sem querer!
De volta a Miami Beach, apreciei o modo americano de "ir a praia", me encontrei com a Lorena novamente e tivemos momentos de muita risada e conforto com a família dela em Sunny Isles: "pela primeira vez em muito tempo", me senti em casa. Aquela foi minha penúltima noite antes de partir e a minha vontade era postergar mais sete dias, mas todo o meu caminho estava não só traçado, como pago. E os ônibus esperariam por mim, mais uma vez.
Na noite seguinte, a última, fui jantar com o Neil num japonês meio bistrô - é, pois é - e havia até um ator brasileiro famoso e achei super bacana olhá-lo com admiração enquanto o Neil não fazia ideia nem conseguia atribuir importância. Assim, me contive e me comportei com (quase) indiferença e não sei se arrependo de não ter tietado e pedido o guardanapo para ele assinar para mim.
A noite foi linda e na saída nos deparamos com um movimento festivo. Seguimos e o Neil se lembrou que era a festa de Independência do México. Ariba! Fomos bailar um pouco. Como não poderia ser perfeito, porque "nada nunca é", a madrugada se estendia demais para quem precisava estar às 5 horas não só de malas prontas, como no ponto esperando o ônibus passar que, sem tolerância, seguiria sem diminuir a velocidade.
Antes disso tudo, o dia tinha sido demasiadamente cheio de feitos gostosos: caminhadas pela cidade, visita a Little Havanaaventura num salão de beleza tocado por Venezuelas que há 17 anos moram por ali e não falam uma frase completa em inglês - e foi delas que ouvi pela primeira fez sobre Los Iluminastes e a Nova Ordem Mundial. Almocei num "restaurante brasileiro" que não deixou a desejar at all, me deliciei com a livraria Taschen e me apaixonei para sempre com Keel's Diary e sua forma de refletir sobre como se dá a vida: rindo!

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Impressões e Sensações - Parte I

O curioso e dolorido prazer de resgatar experiências registradas pela memória dos sentidos.

Há pouco mais de dois anos eu pedi demissão: e naquele momento a minha intenção era fazer um sabático pelo sudeste asiático. Antes dele veio o Carnaval e ali na quarta-feira de cinzas tudo mudou. Lembro de sentir uma palpitação curiosa depois de receber um telefonema. Corri para o computador e naveguei por horas pela internet, viajando, quase que literalmente.
Pouco menos de um mês depois, eu trocava a quase emitida Passagem de Volta ao Mundo para um pouso em Boston, nos Estados Unidos. O motivo principal para esta troca água versus vinho foi um chamado para fazer um curso que até então estava meio nebuloso, mas a grosso modo, trataria de "Como Criar Negócios de Alto Impacto". Por mais valiosa que tenha sido esta experiência, respirando um ar parecido com os de MIT e Harvard - imagino eu - com conhecimento sendo transpirado e inspirações inspiradas, era pouco. Abri o mapa dos Estados Unidos e pensei "por quê não viajar around?". E aí, hoje, esta resposta ainda não me vem completa. Não me vem em palavras. Mas me vem sentida. E meio que sem ela - ou com ela vaga - me veio outra pergunta: por que não tentar traduzir isto e compartilhar?

Assim, meus dois meses up-side-down-nos-United States of America serão aqui divididos em 3.1 blocos como uma segunda comemoração, afinal, "não existe felicidade, senão compartilhada" - com limites, acrescento. Como há "mais coisa entre o céu e a terra como sonha nossa vã filosofia", também há entre o que se conta e o que se vive:

1) "Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento". Clarice Lispector
12 de abril de 2012.
Achei BOSTON bonito e me lembrou muito o Canadá. Andei bastante e passei boas horas lendo no parque e reparando bem nas crianças conversando em inglês e aproveitando o mode off de vida em família. À noite encontrei colegas do curso e jantamos num elegantíssimo restaurante e ouso dizer que me senti num diálogo de Woody Allen - tudo (muito e quase) sem sentido. Na manhã seguinte arrumei minha mala somente meio aberta e peguei o trem rumo a Wellesley, campus da Universidade de Babson. A semana transcorreu bem, com relacionamentos mais superficiais, mas alguns interessantes e que se mantêm até hoje, de certa forma. Na minha última noite, quando então abri o mapa do país, optei por voltar a Boston e conhecer os campi de Harvard e MIT, além de visitar a fábrica da Samuel Adams e começar a trajetória americana a partir daquele ponto.

Na mesma intensidade ingênua de que "it would be easy like 
Sunday Morning", sofri para achar hotel e tive que antecipar minha ida para Nova York - cidade seguinte do roteiro. Acabei pagando USD 218.00 pela noite e reservei, então às pressas, um hostel na Big Apple por USD 45.00 a diária, com a garantia só de um private room. Aquelas horas marcaram a primeira vez, daquela viagem, em que eu pensei em desistir, por não saber enfrentar, com frieza, raciocínio lógico e ágil, a dificuldade de achar um lugar para ficar e seguir meus dois meses sabáticos: já na manhã em NY fui à agências de turismo para tentar comprar pacotes internos e me aliviar de tais stresses, mas o que tinha era somente para a partir de Maio: estava no início de Abril. Sentada num café, aparentemente muito bem resolvida com "onde ir? como e quando?", rascunhei um roteiro a partir de um dos que li num dos muitos folders das agências e me abria, literalmente, para um caminho sem volta.

Nova York. 
Chegando, passei um perrengue danado: errei de metrô e tive dificuldade de entender o inglês das pessoas, principalmente dos negros. Liguei para o celular de alguém do hostel, que era o número que constava no site deles e preferi pegar um taxi do que arriscar mais uma vez as orientações por debaixo da terra.
O motorista tinha cara de afegão e poucos amigos.
Fui bem recebida pelo dono do hostel, embora o lugar era de dar medo e frio na espinha - como diz a Lorena, cenário de assassinato de filme (americano). Quarto pequeno, quente, basculante mínimo. Cheirava à velho. Mofo. O banheiro era no corredor. Tinha toalha e lençol em cima da cama, mas não cobertor. A temperatura era de graus negativos. Na primeira noite eu quase congelei, embora me "acostumasse" com o frio, todas as noites me preparando com meias, luvas, cachecol, touca e casacos, bem encolhida, para tentar concentrar o calor do meu corpo, nele mesmo.
Logo no início da manhã seguinte, um amigo do Meet, também indiano, me enviou mensagem pelo celular se apresentando e me convidando para jantar. Ah, sim!: Em Boston comprei um Sim card que por 10 dólares por mês me dava acesso ilimitado a internet e também sms (inclusive DDI: mamãe seria infinitamente mais feliz).
Para não parecer estranho só eu e ele no jantar, chamei três colegas que estavam no curso comigo em Boston e que eu sabia que também passariam alguns dias por NY. Foi uma noite super agradável, embora às vezes me desprendia do português para dar mais atenção ao amigo do Meet. Nos falamos mais algumas vezes, mas não nos encontramos de novo. Nunca entendi o porquê. E hoje fica claro que nem o nome dele me recordo facilmente.
Por outro lado, fui agraciada com a mensagem da Jess, suíça-espanhola que estava em NY para um Congresso, mestranda em uma universidade em Thunderbird. Nos encontramos no Soho, tivemos um lindo almoço e acabamos por rodar muito, inclusive Chinatown e Little ItalyEngraçado repensar a conversa que tive com ela, porque entre tantas coisas, o que mais me marcou foi nossa inquietude em relação aos jovens e as corporações com suas ofertas de trabalho. Me lembro que rascunhei uma ideia de um modelo de negócio que pudesse agregar diminuição de custo às empresas, com recrutamento, caso elas contratassem corretamente, por identificação e não por quantidade. Entendi, mais tarde naquela viagem, que a minha inquietude trazia três coisas consigo: trabalhar internacionalismo e cultura, comunicação e entendimento de "mercado" e "pessoas". Mal sabia eu que semanas mais tarde conversaria com a Paula e que em sete meses eu participaria da co-criação de uma empresa que made it happen!

Dos lugares que visitei, o Central Park foi o mais alucinantemente belo, apesar do Strawberry Fields para mim ter um impacto tal qual quando me deparei com a Monalisa no LouvreO Memorial do World Trade Center me despertou uma reflexão sobre se fazer um show com a morte dos outros. Tive uma incompatibilidade com a energia daquele lugar, mas entendi, como em nenhuma aula de história, o significado e o sentido da cultura americana. 
Para descontrair, a Broadway! Mary Poppins indescritivelmente me levou de volta à minha infância e à magia da vida. Interessante passear pela Wall Street (+Biblioteca Pública) e 5th Avenue, ir ao Empire States e o Top of the Rock, além de "madrugar" pela Times Square.
Ao longo do dia, tudo era literalmente luz! O medo de voltar para o hostel à noite nunca passou, mas com o tempo ficou mais leve. Era só andar rápido, sem encarar ninguém nem farejar os aspectos ruins dos becos. Ignorar a sólida e insegura solidão escura. Estive, ao longo de toda a viagem, mas principalmente nessa região N/NE dos EUA, dificuldade com alimentação e viciei, como na Líbia, em saladas: Eu voltava ao paladar saudável e natural no país dos hambúrgueres e dos refis de refrigerante.

Ainda em Nova York, me aventurei pela Central Station e comprei um bilhete: Na FILADÉLFIA abri exceção alimentar para o sanduíche mais famoso deles e super me recomendado por uma amiga, mas achei sem graça e sem gosto. Ou dei azar, ou é mais uma das falações que ganham fama - sem razão. Lá, não aproveitei muito porque o mapa que consegui na estação era ruim, não achava pessoas com aparência solícita para perguntar e passei a manhã perdida, tentando me achar e achar o tal Joe's Steake para comer o Philly. À tarde, andando sem rumo e tendo abandonado o mapa, acabei encontrando todos os lugares turísticos e agradeci por ter ido só por 1 dia. Diria que é uma cidade para não voltar.

No dia seguinte, um dia normal, a Big Apple ficaria para trás. Era chegada a hora do check-out e fechei a porta daquele quarto também sem sentimento saudoso de volta. Por mais querido que o dono fosse, o cheiro e o ar não me traziam conforto, não sei também se segurança. Ali naquele quarto, agradecia por estar num dos países mais freaky ever! Se fosse num Brasil, I'm sorry, mas não ficava não.

Washington.
Mais perrengue para chegar ao hostel. Tentei ir a pé da estação de metrô, como sugerido. Não achei, peguei taxi. O lugar além de feio, trazia um mendigo bêbado tagarelando na aparente porta de onde eu deveria ir. Fingi que estava tudo bem. Não havia campainha. Bati na porta, liguei e nada. Quase em desespero, porque anoitecia, decidi checar o endereço. Ufa! Eu estava há duas casas para trás do lugar! Mesmo assim, no endereço certo não havia campainha e ninguém atendia ao telefone. Em alguns instantes, uma moça abriu a porta, de saída do predinho-casa; aproveitei, entrei e fiz o check-in: fui recebida com toalhas e cobertor - bem melhor agora!
Ao longo dos três dias só me deparei com três meninas, que se alteraram - não ficaram todos os dias ali hospedadas. Uma devia ter uns 40 anos, alemã; uma de 20 e poucos, japonesa, estudante no Canadá; uma da minha idade (27 na época), húngara, estudante em NY: todas a passeio após atenderem a congressos. Exceto o Pentágono, consegui ir aos principais pontos turísticos e me decepcionei com a Casa Branca: bonita mesmo é a Biblioteca Pública e o Capitólio. Andar por DC é melhor a pé, embora não tenha tentado ônibus. Fora da região do President's Park, tudo me parecia descuidado. Me lembro que me surpreendi, ou não sei porque, me chamou a atenção da maioria de negros compondo a população. 

Eu, sempre procurando Pandas, sabia que no Zoo de San Diego haveria, mas não iria passar por lá. Olhei o zoo de Washington na internet e havia possibilidade. No dia em que ia passar por Georgetown, mudei meus planos e fui para o zoológico. Indescritível a sensação de ver dois Pandas Gigantes, fofos, brincando e se alimentando, na minha frente. Foi um ótimo remédio para curar uma reflexão depressiva depois de ter visitado, no dia anterior, o Memorial da 2a. Guerra, do Vietnã e do Holocausto. 
Para fechar com chave de ouro, na volta, vi uma reunião de pessoas uniformizadas no metrô e na saída da estação em que eu deveria descer para voltar ao hostel, decidi segui-las. Descobri que era a final do campeonato de Hóquei. Não me animei em pagar pelo ingresso, mas entrei em um pub do time local, pedi um filé de peixe frito com molho tártaro, regado a alguns draughts de cerveja e me envolvi com aquele bando de americano apaixonado, comemorando cada possibilidade de "gol".

No check-out, na manhã seguinte (e vitoriosa), a moça que mal falava inglês, embora fosse dali, disse que era mais rápido eu esperar um taxi na rua do que se ela ligasse pedindo. Começou a chover e decidi ir andando, arrastando a mala. Cheguei no metrô e nada de taxi. Só deu certo porque eu não tinha planejado isso como das outras vezes. Esperei pacientemente por um, quase que num sintoma de acostumar-me com esta parte de partidas e chegadas, quando ele enfim me deixou na estação de ônibus, para que eu pudesse seguir para Williamsburg.

*Não adesão à nova regra gramatical.