quarta-feira, 21 de novembro de 2018

#enegrecernossoviés

Eu me mudei dentro da cidade de São Paulo umas cinco vezes já, entre idas e vindas que somam sete anos. Em 2013, quando vim em "definitivo", me mudei de um prédio mais simples para um com mais regras, vamos assim dizer.

Era eu, e dois amigos. Na divisão das tarefas, fiquei responsável por articular o descarte de lixo e dos infinitos papelões que os carretos conseguem multiplicar em tempo recorde!

Fui até a garagem e, apesar das plaquinhas-sinalizadoras, me pareceu estranho deixar aquele entulho todo que tínhamos ali, afinal, havíamos recebido insistentemente a informação "aqui tudo dá multa", "aqui nada pode", "aqui o síndico (...)", "aqui, na dúvida, pergunte para o zelador (...)"; e aquilo tudo era muito novo para mim, porque apesar de ser a sétima (?) moradia diferente pela qual eu passava, nenhuma das anteriores havia me alertado tanto sobre "do's and don'ts".

Saí da garagem e fui até a portaria. O porteiro disse: "Não posso sair da portaria. Você precisa esperar alguém do prédio (?) chegar para te explicar como funciona esse tipo de descarte".

Sentei. E esperei.

Eis que sai do elevador uma senhora, negra, de chinelos, cabelos grisalhos, curtos, encaracolados, camiseta surrada, bermuda. 

Pensei: deve ser a faxineira, ela deve saber.

- Olá, bom dia! Desculpa incomodá-la, mas estou me mudando para o prédio hoje e estou com dificuldade de entender os procedimentos corretos de descarte de lixo e afins.
- Seja muito bem-vinda, vamos lá! Eu te explico!

Depois do tour que durou alguns minutos, ao agradecê-la, quando eu ia perguntar "a senhora trabalha aqui?", ela disse:
- Conta comigo para o que precisar: sou subsíndica, moro no ap ...
Aquelas palavras me dão nó na garganta até hoje: como pude ser tão babaca? Me lembro que só silenciei, deixei meus olhos marejarem, mas não consegui pedir desculpas, não consegui lidar com o que fui entender só hoje, cinco anos depois, que eu era - sou (?) - uma racista cordial.
Em fração de segundos eu sentia raiva de mim mesma, injustiça e ficava sem saber se eu a abraçava, se pedia desculpas, se dizia a ela o que eu havia pensado a respeito, que caos! Que difícil foi ter consciência do meu viés, logo eu, tão pró direitos humanos, pró cidadania, pró tudo que viole direitos de qualquer pessoa.

Se existe um lado bom desse episódio do qual eu me envergonho é o de que passei a ter consciência desse "automático" a que fomos condicionados e que faz tudo parecer ser justificável. Não, não faz. Nada justifica essas atrocidades que cometemos, "quase sem querer". Precisamos mudar Precisamos reagir. Precisamos sentir. Precisamos verdadeiramente nos relacionar.

Entender que a segregação a que os negros são impostos os afeta de maneira desproporcional e injusta* não basta. Enquanto nos colocarmos n'algum lugar de desigualdade, a cordialidade será em vão, porque não é uma questão de ser #fofa e #querida, é uma questão de ser justa e de combater, em cada um de nós, essa discriminação velada.

*Fala de Sueli Carneiro no evento da ThoughtWorks SP, Nov/2018. Sueli é filósofa, escritora e ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro. Fundadora do Geledés — Instituto da Mulher Negra e considerada uma das principais autoras do feminismo negro no Brasil.


terça-feira, 6 de novembro de 2018

Da (não) escuta

"Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia (...). Para mim, Deus é isto: A beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: A beleza mora lá também". O amor que acende a  lua - Rubem Alves

- Olá, bom dia!
(Silêncio)
- Me vê uma sacolinha, por favor? 
(Silêncio)
- Algo mais, senhora?
- Sim, uma sacolinha por favor e pode fechar. No débito.
- Algo mais, senhora?
- Não, obrigada!
- Forma de pagamento?
- Débito, por favor.
- Crédito? Pode colocar a senha (...).

- Gente, tô amando a novela!
- Num é menina! 
- Aquela Sorrah tá ótima de maluca!
- Sim! E o lance das galinhas? Ela penteando galinhas!
(Todas riem)
- E o marido dela?
- Marido de quem gente?
- Da maluca!
- Da Renata Sorrah?
- Isso!
- Não sei quem é. 
- O Remy.
- Não. Ela acha que o Remy é o Nestor, mas ele não é marido dela 🙄.
- Tô falando na vida real!
- Mas na vida real o "Remy" é casado com a Laureta, que é a Adriana Esteves.
- Pois é, então. 
- Então?
- Adoro os dois!
- A Adriana Esteves e o Vladmir Brichta?
- Essa Sorrah! Como é mesmo o nome dela?
(...)

- Bom dia! Tenho uma reunião agora às 10h com a Fulana, do lugar A, 13o andar.
- Bom dia! Tem cadastro?
- Sim!
- Seu RG, por favor, senhora?
- Um, dois, três, quatro, cinco, dígito sete.
- Não entrou senhora, tem certeza?
- Certeza do meu RG ou certeza se tenho cadastro?
- Isso.
- Bom, quer tentar de novo o número?
- Pode ser. 
- (bem devagar, pau sa da mente) Um. dois. três. quatro. cinco. dígito sete.
- Ahhhhhhh. Dígito sete.
(Silêncio).
- Para onde a senhora vai, dona Bárbara?
- Lugar A, 13o andar.
- Motivo da visita?
- Reunião.
- Com quem? 
- Fulana.
- Ok.
(Ligando).
(Interrompendo).
- Senhora Bárbara?
- Oi!
- Essa reunião está marcada para que horas?
- Para as 10 horas.
(volta a ligação e repete: "para as 10 horas").
- Senhora Bárbara?
- Oi!!
- A senhora tem algum contato lá?
(...)


"Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito". Estamos todos surdos dos nossos barulhos :|

terça-feira, 14 de agosto de 2018

(meu sobrinho e) O que aprendi offline

"Só existem dois dias no ano que nada pode ser feito. Um se chama ontem e o outro se chama amanhã, portanto hoje é o dia certo para amar, acreditar, fazer e principalmente viver". Dalai Lama


No dia 27 de Junho eu escrevi sobre o ritmo alucinado que todos, sim, todos, temos vivido - nossa adaptabilidade tem se expandido para uma quase capacidade de viver num mundo aparentemente sem tempo, em que fomos capazes de criar o "sem fronteiras" literalmente, quebrando a natureza e desrespeitando a luz do dia, avançando noites, com luzes artificiais das telas de computador, telefones ou televisores.

Em Junho escrevi: "Talvez esse seja o grande desafio, 'darmos conta de tudo hoje-agora': ser enquanto estamos, para nos tornarmos num tempo, atemporal".

Por essas e outas gosto tanto de escrever: registrar é ferramenta para criarmos consciência, caso você queira. 

Quase um mês depois, literalmente, na noite de 24 de julho, eu voltava pensativa da terapia, pois a sessão tinha sido sobre como eu poderia lidar melhor com o desequilíbrio do cash flow, numa percepção de que tenho trabalhado muito, as contas chegam, mas o faturamento tem outro ritmo: como "manter a mente sã" - todo o resto é consequência - numa (não) rotina de viver num "time frame assíncrono de real time x right time x next time?".

Ao chegar em casa, meu celular pifou. Simplesmente, a tela ficou colorida - me pareceu ser o cristal liquido vazando - e aos poucos ele foi apagando. De verdade, a única coisa que consegui sentir foi alívio e, integralmente, agradecer pelo acaso do tal timing.

Na manhã seguinte viajei para Paraty, para participar da FLIP; fiquei quatro dias off e, na volta para SP, viajei de novo a trabalho, ficando, ao todo, 15 dias sem "smartphone". Aliás, vou tirar as aspas: o celular é esperto, nós é que não somos.

Abaixo, um pouco do que aprendi nestes dias fora do "just in time", mas 100% "on my time": 

  1. Ninguém morreu: alguém poderia ter falecido, fato, mas a frase aqui é para outro significado - o mundo continuava lá, não me prejudiquei por estar "inacessível" e isso tem a ver com o ponto seguinte:


  2. Quem quis me achar, achou: a gente, por comodidade, tem praticamente recorrido a uma única ferramenta de comunicação - whatsapp - e isso tem, como toda ferramenta, seus prós e contras; o contra está no comportamento do indivíduo que utiliza do "te mandei mensagem e você não respondeu" como justificativa para ambos não terem ganhado nada com a rebeldia do "fiquei de mal, #poxa": o clássico "quem quer arruma um jeito, quem não quer arruma desculpa".

  3. O tal do foco: somos interrompidos o tempo inteiro!, seja por estímulos externos - pessoas, notificações de mensagens, barulhos, abas abertas, desinteresse pelo que fazemos, passarinho que pousa numa janela - seja por nós mesmos - pensamento no futuro (ansiedade, né), preocupações, desejos, frustrações, "e se's" etc. Ao longo destes dias, ter partido do pressuposto que "ninguém me mandaria mensagem", espontaneamente me colocou num "fazer o que tinha que ser feito", segui a lista de 'to do's' com disciplina e, principalmente, entusiasmo, ao entender que, terminando logo, sobraria tempo para fazer qualquer outra coisa - inclusive aquelas que a gente só pensa sobre, quando está distraído: a vontade vira realização. 

  4. Priorização: Você entra num fluxo - quanto mais focado e disciplinado, mais você reengaja no que faz, melhor você "produz" e, acredite, mais tempo livre tem: coisa louca isso! Inexiste a procrastinação, porque você fica tão animado para começar a fazer o que te dá prazer, seja ler, dormir, fazer exercício, ligar pr'alguém pra bater papo, ir naquela padaria às 16h, fazer supermercado quando não há fila: qualquer coisa!

  5. Dar importância ao que é importante: neste fluxo, você atribui verdadeiramente importância ao que é importante e a minha descoberta foi perceber como eu aportava tempo e energia em matérias ou pessoas de baixo retorno: físico, espiritual ou emocional - você realmente escolhe melhor e, principalmente, aproveita com qualidade a escolha, #semculpa

  6. Percepção: Não que os aprendizados parem por aqui, mas fecho com isso, porque ter me desconectado do tempo do outro, do tempo lá de fora, de uma urgência que não era minha, resgatou muito das minhas verdadeiras intenções e, para me ouvir, para sentir, é preciso silenciar-se, mas antes, é preciso deixar que o barulho seja barulho, ruído seja ruído, e as pessoas com o timing delas, sejam elas com e por elas - não por mim.

Pensei muito em, depois de ter recuperado meu celular, a ficar offline, fazer como duas pessoas que conheço que vivem sem smartphone e (mesmo assim - pasmem!) dão conta de responder às demandas corporativas, do "mundo real". Mas eu não cheguei lá. Aliás, taí um outro aprendizado importante:


7.As crianças: senti saudades de ver fotos do meu sobrinho, que está para completar 1 ano de vida, e mora em BH. Quando me reconectei por whatsapp, fiquei assustada: o tempo dele (também?) passa rápido! Parecia um rapazinho. E, foi pela beleza desse propósito de conexão que resolvi voltar, com parcimônia, ao smartphonefazendo o exercício de me colocar, mais do que no meu lugar neste mundo, no meu tempo, sem deixar de compartilhar do tempo do outro.



Rodrigo, 11 meses. Meu sobrinho <3.

Sugiro a experiência, mesmo que "planejada". Se for "por acaso", só aceita e vive!

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Minha 1a. FLIP: achei que fosse sobre literatura, #sqn

"Devemos escrever para nós mesmos, é assim que poderemos chegar aos outros." Eugène Ionesco

A FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty que acontece todo ano no Brasil, em Paraty/RJ, desde 2003 - sempre me pareceu distante, tanto, que nem sequer cogitei ir um dia: nunca olhei passagem ou hospedagem, até que, à convite da Editora Kazuá, em parceria com a Revista Philos, o que nem havia sido por mim pensado, imaginado, sonhado, aconteceu.

A proposta era participar de uma mesa - nome que se dá a debates realizados por duas ou mais pessoas e mediados por alguém - para tratar, ou não, de algum tema em específico; e o meu foi "Para além da escrita: a condução da própria carreira literária – os desafios do escritor independente".

Entre a ligação da Editora oficializando o convite e sentar na cadeira com os outros escritores na manhã do dia 26 de Julho de 2018, vivi momentos de muitas emoções, muitas; e era tanto sentimento misturado, que mal pude pensar, racionalizar, planejar, esperar ou, enfim, fazer qualquer coisa senão permanecer aberta para o que quer que fosse e significasse aquela experiência.

E assim foi! Na quarta-feira à noite (25/07) assistimos (estava com amigas e meus pais) à abertura com Fernanda Montenegro, jantamos e muito rapidamente me deixei levar por aquela energia, que só foi se intensificando com o passar dos dias.

Na manhã seguinte me sentia calma, tomei café como se fosse um dia comum, saí carregada dos meus livros, cheguei à Academia do Samba - lugar que nos acolheu para o debate - e, aos poucos, vendo as pessoas entrarem, a casa encher, o microfone ligar e escutar meu nome, era como se eu tivesse nascido pr'aquilo: só para (me) comunicar. 

Curioso que ao longo da conversa meus colegas escritores falaram algumas vezes sobre a importância do processo da escrita, da disciplina, do esforço e da peleja para estarem ali e eu, apesar de ser escritora iniciante, talvez até amadora, pude entender e sentir o símbolo daquilo tudo: seja por ter estado ali num lugar de fala privilegiada ou por exercer empatia ao que falaram, ao projetar as dores - e delícias - em relação à minha "carreira" nada literária: fosse como CLT, autônoma ou empreendedora, ter estado nos lugares em que estive e ter vivido outras tantas FLIPs ao longo dos meus últimos 13 anos, mesmo que até então não tenha me dado conta, reforçaram em mim ainda mais a crença - e a paixão - de que "tudo podemos".


Sigo acreditando ainda mais em ajudar pessoas a conquistarem o que querem da vida ou a buscarem sair daquilo que não querem. Para cada um haverá uma FLIP para ir e nem sempre chegar lá é questão (só) de dinheiro; cada vez mais vejo que o sentido da vida está no 'como', para um 'porquê' que se sustenta dentro da gente, e que precisamos silenciar nesse mundo de tantas palavras e tantas mensagens para sabermos mesmo qual é a leitura que a cada um interessa e, sobretudo, deixar sentir o que desperta e o que representa.

Enfim, eu poderia lhes dizer que a FLIP é tipo um recorte dos anos 20 (1920) de Paris ou uma volta ao "túnel do tempo" direto para a Semana de Arte Moderna de SP, de 1922, porque ela também foi isso - música, poesia - e sua boemia - arte, arte, arte e artistas. Mas, pr'além disso, pra mim, ela foi uma releitura do mundo, um "amadurecimento do hobby" em algo menos romântico e mais duro talvez, mas ainda assim bonito.

"Conquistar" e "viver" deveriam ser verbos que carregam a coragem da verdade e a magia da ilusão, para que nos ajudassem a caminhar rumo às nossas FLIPs invisíveis, às nossas obras feitas, mas desconhecidas e, por fim, ao exercício do nosso propósito, com amor e dedicação. É neste detalhe que mora o despertar das (auto) realizações.

"(...) Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo que é velho e morto, pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os fortes. O importante é semear, produzir milhões de sorrisos de solidariedade e amizade. Procuro semear otimismo e plantar sementes de paz e justiça. Digo o que penso, com esperança. Penso no que faço, com fé. Faço o que devo fazer, com amor". Cora Coralina

quarta-feira, 27 de junho de 2018

#queritmoéesse?

Eram 22horas de uma terça-feira cansativa e eu embarcava em Guarulhos rumo a BH.

Me dei conta do meu cansaço quando sentei no ônibus que nos levaria até o avião: poderia dormir ali naquele assento desconfortável, com as minhas costas latejando, meus pés pipocando, enquanto sentia um calor desproporcional ao vento frio lá de fora.

Sem que eu percebesse, me lembrei dos meus traslados nas Filipinas e como tudo ficava mais leve quando eu olhava para as pessoas naquele país e meditava: "meu tempo é o tempo do outro".

Quase que inconscientemente, olhei pr'aquelas pessoas naquele ônibus e vi muitos semblantes - talvez - parecidos com o meu: como as pessoas estão cansadas! - e, portanto, como também queriam chegar.

Isso tudo que deve ter acontecido em 10 segundo foi o suficiente para me ver fora de mim e me observar como outrem, meditando: "seu tempo é o tempo do outro".

Por um suspiro leve, relaxei; e que bom seria se todos pudéssemos nos ausentar de nós mesmos para essa compaixão própria que pouco nos damos, por não encontrarmos tempo - nem espaço.

Já em BH, dentre tantas conversas que pude ter, muitos me disseram que estão exaustos; que correm, correm, correm: corremos pra onde? Corremos pelo que? Temos em perspectiva a linha de chegada? - "Onde é lá"? E, quando tempo "ainda falta"?

Sei lá se deveria ser o tempo o pulso da vida: #queritmoéesse?

Eu tenho tentado não embarcar na viagem (que é a vida) somente pelo relógio - é difícil, mas tem me ajudado a ser e estar melhor; aliás, talvez esse seja o grande desafio em "darmos conta de tudo hoje-agora": ser enquanto estamos, para nos tornarmos num tempo, atemporal.

terça-feira, 19 de junho de 2018

As diaristas e o mundo freela

Cresci numa família classe-média-média dos anos 90, sem empregada doméstica. Lá em casa todos tinham suas obrigações mínimas e básicas e, confesso, meu pai foi um "homem atípico" por já lavar nossas fraldas de pano no início dos anos 80.

Durante minha vida adulta (que, ok, não faz tanto tempo assim), nunca tive "empregadas domésticas à moda antiga", vejo poucas delas hoje e, apesar de atribuir a isso vários fatores, inclusive sociais, vou me limitar (#voutentarmeumelhor) a um só: aumento das diaristas.

E essa condição de forma da oferta trabalho versus a flexibilidade da demanda tem me ensinado muito desde que passei a atuar como PJ ("autônoma" é ilusão 'tá gente? Se antes era "chefe", agora é cliente - e tá tudo bem, desde que você seja realista :)).

  • A diarista foge da rotina, faz sua agenda respeitando suas limitações logísticas, principalmente as que moram beeeeem longe dos seus clientes e são reféns das creches públicas e/ou de vizinhos e avós, desenvolvendo, além de resiliência para lidar com os imprevistos do trânsito (de São Paulo), muita, mas muuuuuita organização e gestão de tempo;
  • Tomar essas decisões (mesmo que inconscientemente) e alocar recursos, principalmente quando não os tem, desenvolve nelas uma criatividade surreal que eu, do auge do meu Uber que nem cheguei onde deveria, me espanto com a comunicabilidade delas, cada vez mais clara e transparente, mesmo "não sabendo escrever" - aliás, #salveoáudio!
  • Confiança: essas trocas, esse baile de adaptabilidade que elas dão, faz com que o vínculo só se fortaleça e que traçamos mesmo uma parceria ganha-ganha: precisamos da gente, mutuamente, nem mais, nem menos:#boracolaborar
  • Ah, inovação via benchmark! "Babi, usei numa outra casa que atendo um produto óóóóótimo para o sofá (...)". Essa visão aberta, genuína, sem culpa nem medo de propor: coisa linda (volta para o looping da confiança e segue).

Eu poderia listar muitos outros atributos que me revelam ganho nessa relação tão diferente da que os meus pais tiveram, ao finalmente poderem contratar uma "empregada doméstica", 18 anos atrás.

Essa experiência resume o lado bom do que os freelas* podem dar às organizações, porque se permitirão, antes, se atenderem primeiro enquanto indivíduos: é poderosíssimo isso!
E vejam só: as diaristas, pelo menos as que eu conheço, não negociam valor da diária como se não houvesse amanhã, nem perguntam do plano de saúde, ou ticket alimentação/refeição, nem muito menos pressionam para horário de chegada ou saída, ou reclamam que têm que pagar o INSS à parte: elas já entenderam que o preço dessa oferta de trabalho é outro - deixa de ser custo e passa a ser valor.
O mundo em que cresci está mudando e já quase não existe mais; gosto de ver meus pais se adaptando às possibilidades do hoje, porque entenderam que "empregada doméstica como antes não há" e, ao invés de ficarem se debatendo com esse dado de realidade, toparam experimentar a diarista, antes que a perdessem para alguém numa dessas plataformas de "vagas" e matching que existe por aí ;)

Enfim, nenhum cenário é perfeito, nenhuma fórmula é a do sucesso. Mas certamente, negar a mudança sobre a forma como trabalhamos , isso sim, é via sem saída.

*freela, PJ, staff on demand (que seja seu termo!)

terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Dias sem luz. Dias de sol

"Se você está interessado em algo, você vai se concentrar nisso, mas se você concentrar a atenção em qualquer coisa, é provável que você também se interesse. Muitas das coisas que achamos interessantes não são tão por natureza, mas porque nos esforça a prestar atenção nelas". Mihaly Csikszentmihalyi*


Há mais ou menos duas semanas choveu muito em São Paulo: muito!, e pela primeira vez senti medo - as janelas da minha casa tremiam, faziam barulho e, no meu quarto, a água começou a entrar pelas frestas e eu via galhos e árvores inteiras serem derrubadas por vento - na avenida que faz esquina com meu prédio, carros, ônibus e motos pararam de passar e o temporal fazia de São Paulo um lugar deserto.

Era domingo, passava das quatro horas da tarde e meia hora depois do dilúvio, a luz acabou - fui dormir às 22h e ainda estava sem energia.

Nos primeiros 20 minutos de chuva eu não conseguia pensar em absolutamente nada, travei, apenas esperava que passasse e que a água pelas frestas diminuísse consideravelmente e que nenhuma janela quebrasse.

Assim que o volume diminuiu, abri as janelas e fiquei observando a cidade ir voltando ao seu "normal". Quando tive certeza de que acabara, mas que a luz provavelmente deveria demorar, visto os estragos, como num rompante, peguei folhas de ofício, canetinhas, post-its e comecei a planejar meu ano de 2018 - o que envolvia o que pretendo fazer durante minhas semanas, para meu equilíbrio, e como resultados de negócio (abri uma empresa em Novembro de 2017).

Eu não sei quantas horas me mantive naquele fluxo; me lembro de não ter levantado para tomar água ou comer alguma coisa. Em algum momento, reparei que a claridade já não estava tão intensa, mas ainda assim dava para rabiscar, escrever, desenhar, projetar e criar listas de ações e testes.

Entre um pensamento de viabilidade e outro, li um livro sobre Marketing Digital, que fez com que eu abrisse um parêntese do planejamento macro, para concentrar na leitura sobre ferramentas de comunicação da nossa era - o que me abriu várias abas, na verdade, sobre alguns conteúdos que me fascinam; e outros nem tanto.

Fui deitar mesmo porque não havia mais nenhuma luzinha - e não sou dessas de usar o celular para iluminar nada: acho que há limites.

No dia seguinte, 2a.feira, pude perceber que a luz havia voltado n'algum momento pela madrugada, mas me surpreendi mesmo foi com o volume de trabalho que eu havia produzido.

Precisei sair e, ao voltar, por volta das 11 horas da manhã, a luz acabara de novo - segundo informações, o início do meu quarteirão estava destruído e a companhia energética precisava retirar ainda muitas árvores de casas e postes. 

Apesar da frustração e, ao invés de optar por ir a algum café ou co-working em busca de energia e, claro, internet, decidi ficar em casa e terminar aquilo que havia brilhantemente começado - afinal, não foi planejado e os recursos eram escassos - foi incrível me manter, por horas, num fluxo real: "estado de excelência caracterizado por alta motivação, alta concentração, alta energia e alto desempenho.*"

O dia seguiu sem energia até às 21:30 e, enquanto havia "sol", lia e escrevia - inclusive, devorei mais um livro, dessa vez menos técnico, mas igualmente estimulante; desses que dá vontade de sair fazendo, mudando; que te tira de si mesmo.

Nesses dois dias sem luz, aproveitei que fossem dias de sol e, sem saber, quebrei um paradigma sobre criação, sobre rever ciclos de produção, sobre engenharias, sobre experimentar e, principalmente, sobre fazer da adversidade um poderoso gatilho para a transformação - aliás, empreender é exatamente isso, né?: "tudo começa do nada".


quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Sobre a loucura (?) de morar em São Paulo

Loucura: "Doença mental caracterizada pela alienação total do indivíduo em relação aos fatos que lhe são pertinentes. Ato, estado ou dito que revela falta de senso ou de juízo; maluquice, piração. Extravagância no agir. Paixão excessiva. Procedimento que revela insensatez. Tudo que está fora das regras da normalidade. Entusiasmo exagerado ou insano; desatino, desvario". Dicionário Michaelis. 

Já ouvi de tudo por morar em São Paulo - e na grande maioria das vezes as pessoas não são muito positivas: citam a violência, a poluição, o trânsito e têm percepção sempre de caos. 

Não que eu concorde ou discorde, mas quase 11 anos depois de ter deixado BH, pensar sobre São Paulo me gera emoções extremamente positivas, mesmo que as experiências por aqui nem sempre tenham sido fáceis, aliás, o começo - como quase todo, acho - foi muito difícil.

Cheguei por aqui ganhando R$600,00 por mês, dividi casa com 22 pessoas, quarto com nove, banheiro com 11 - uma bobagem que o BBB roteirize o convívio: é condição inerente ao ser humano amar e causar conflito - e essa chegada em SP me ensinou sobre relacionamento, sobre diversidade, sobre a força que o regionalismo do Brasil tem, sobre temperos, sobre compartilhar e, principalmente, sobre respeito e coletividade: São Paulo não te abre portas para o Brasil ou para o mundo somente, mas te escancara para si mesmo, onde "se virar" torna-se de fato uma lei de sobrevivência.

Nos primeiros meses por aqui, então me virando, fiquei doente e me curei sem afago, ou afeto, e isso me ensinou sobre acolhimento e sobre família que, sim, vai além do círculo "pai, mãe e irmãos". 

Me perdi incontáveis vezes nas baldeações do metrô, peguei ônibus errado, tive fome e almocei por muitos meses miojo com salsicha, porque o dinheiro era mesmo curto, e aprendi a valorizar qualquer refeição. Chorei e me stressei, muito; e ter aprendido sobre o stress me ensinou sobre ser melhor e buscar válvulas de escape saudáveis - difícil, mas possível!

Em épocas de não smartphone, se perder era mais perigoso, mas mesmo assim, ao observar com olhar positivo, me deixei me encantar pelos prédios da avenida Paulista, mal sabendo da existência da Faria Lima, que tomaria para si o posto de "mercado financeiro", "coração das organizações", até que passei a conhecer a marginal Pinheiros e, depois, a Berrini.

O encantamento não passou, mas mudou de forma, porque a cada prédio novo que sobe, exuberante e exagerado, São Paulo me apresenta um parque, uma praça, uma horta orgânica gratuita/comunitária, exposição de arte "em becos", blocos de carnaval de rua, e novos museus.

São Paulo me faz pulsar. Me ensina a atravessar na faixa, a me locomover por transporte público integrado, me fazendo quase esquecer como é dirigir; me ensina a valorizar ainda mais a organização da cidade com seus semáforos mais à frente e a alertar motoristas de outras cidades a não fechar o cruzamento, mesmo!

São Paulo é também uma cidade de casarões, da história do Brasil, das famílias tradicionais, dos sobrenomes, das igrejas católicas e da maior parada gay do mundo: tudo ao mesmo tempo!

É um lugar de partidas e chegadas, de encontros e desencontros: por aqui, amig@s casaram e descasaram. Se empregaram, desempregaram, empreenderam, concursaram, viraram mestres e doutores - aliás, entre idas e vindas, não sei dizer quantas nacionalidades conheci e convivi nesse tempo todo: São Paulo poderia ser um selo cultural que significasse "um mini mundo", seja por seus restaurantes de estrelas Michelin ou barracas em feiras de rua, pelo cardápio "mata-saudade", seja do Nordeste, do Norte, de Minas, ou do Sul do Brasil; da Grécia, da Itália, das Coréias, da China, ou da comida da sua casa; seja pelas experiências espirituais hinduístas, budistas ou umbanda. 

São Paulo e seu inverno de -1oC  me apresentou as padarias 24h que tantas vezes me salvaram do frio com seus festivais de sopa e, no calor, frutarias e vida ao ar livre - aliás, outra fala que muito ouço é "São Paulo não tem qualidade de vida":  é mais difícil mesmo, principalmente para a grande maioria da população que mora longe do local de trabalho, mas por outro lado é exatamente essa força que São Paulo me dá e que não encontrei em outro lugar; de viver bem mesmo com tanta adversidade, participar ativamente de uma vida melhor e ser causa, não consequência. 

Em menos de 5 minutos a pé de onde moro encontrei um refúgio :)

São Paulo me inspira a melhorar, a buscar entender o que é que está acontecendo no mundo, a desbravar sempre, a conhecer gente diferente de mim, gente interessante e desinteressante também.

A cidade em si vai além da sua noite agitada, do seu arsenal de artistas maravilhosos, do seu barulho non-stop, das manifestações vazias ou com propósito genuíno. Vai além dos bares e dos bairros que fazem dela insaciável - você pode passar a vida e não vai conhecê-la.

Esses quase sete anos (se somados) só de São Paulo fizeram de mim muitas personas, me permitiram experimentar muitas possibilidades e oportunidades! Há que comemorarmos, afinal, São Paulo é mais do que uma mistura que tem de tudo um pouco; ela é um facilitador que nos permite expressarmos quem somos, que é meio tudo e nada, e ao mesmo tempo é única. 

Se eu sou louca? Bom, talvez, mas é só através dessa cidade que podemos coexistir com tantos outros loucos.

Obrigada São Paulo por ter me dado tanto e, ao contrário de dizer o que eu quero de você, como pede a atual campanha da Globo do "O Brasil que eu quero", você me faz pensar no que eu quero te dar, porque uma boa cidade é resultado de ótimos cidadãos. Vamos em frente, porque segundo as previsões, os próximos anos serão ainda mais desafiadores: conte comigo, velhinha! ;)

*Não adesão à nova regra gramatical.